sexta-feira, 20 de abril de 2012

As sete quedas da imprensa


O noticiário do Distrito Federal acrescenta, a cada dia, novas evidências de que o senador Demóstenes Torres, de Goiás, não atuava simplesmente como um parlamentar, mas como sócio do contraventor Carlos Augusto de Almeida Ramos, conhecido como Carlos Cachoeira. Em sua expressão “legal”, a associação teria como face institucional a construtora Delta e o laboratório Vitapan, apontada como a maior indústria de medicamentos genéricos do país.
Em torno desse esquema, dizem os jornais, funcionaria uma extensa rede de outras empresas, algumas legais, outras apenas de fachada, cuja atividade principal seria dar um aspecto de normalidade a operações financeiras destinadas a “lavar” o dinheiro do jogo e da corrupção.
O ponto de partida dos negócios, ao que tudo indica, é a indústria da jogatina ilegal, tolerada em Goiás à base de propinas e estendida até o Tocantins com o apoio de políticos cujas campanhas eleitorais têm sido financiadas pelo dinheiro de máquinas de apostas. Suspeita-se agora que o senador Demóstenes Torres pode ter se associado ao contraventor ainda antes de abraçar a carreira parlamentar, quando atuava como procurador de Justiça e secretário de Segurança no estado de Goiás.
Manifestações antirrepublicanas
Se o caso é verdadeiro, temos aqui o modelo exemplar para uma investigação jornalística que pode desvendar um dos mais típicos esquemas de corrupção em prática no país – e quem sabe inspirar políticas de prevenção e contenção. Mas, a julgar pelo que disseram os jornais de quarta-feira (18/4), não é isso que está ocorrendo.
Como se tornou prática desde a eclosão do chamado escândalo do “mensalão”, a imprensa brasileira não parece interessada em investigar coisa alguma. A amostra de declarações colhidas sobre o caso Cachoeira-Demóstenes e sua hierarquização nas páginas dos diários revela que a imprensa já começou a dirigir o noticiário com o propósito claro de manipular as evidências.
O núcleo do escândalo começa a se deslocar lentamente da dupla principal para protagonistas secundários, com a proliferação de acusações que, dando a impressão de alcançar um número indefinido e muito amplo de suspeitos, acaba por instalar a ideia de que tudo estaria contaminado pela ação do grupo criminoso.
Ao dar curso a qualquer denúncia de relacionamento com um dos acusados, sem avaliar a frequência e o teor de conversas gravadas pela polícia e confrontar esse conteúdo com fatos reais, como a concessão de obras ou transferências de dinheiro, a imprensa dilui o efeito da investigação e reforça a sensação geral de descrença na democracia representativa. Assim, começam a pulular nas redes sociais digitais manifestações condenando genericamente as instituições republicanas.
Evidentemente, o comportamento de muitos parlamentares e representantes do poder Executivo e do Judiciário não tem contribuído para erigir em nome dos três poderes da República as estátuas de integridade que se espera deles.
Os paladinos da Justiça
A manifestação do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, que deixou a presidência da Corte Suprema nesta quinta-feira (19), é uma dessas oportunidades em que o estadista se retira do recinto e deixa atrás de si um rastro em que se podem identificar claramente os sinais de despeito, onipotência, ciúmes e outros sentimentos humanamente rasteiros.
Por trás dos destempero do ministro ressoam seus desentendimentos com a corregedora Eliana Calmon e sua frustração por não ter conseguido, em dois anos no cargo, concretizar o aumento de vencimentos do poder Judiciário.
Mas o conjunto de notícias também induz o leitor atento a notar que há uma disputa de bastidores no Supremo Tribunal Federal em torno do julgamento do caso intitulado “mensalão”.
Depois de muito barulho, período em que a corte se manteve no centro das atenções do país, com a construção de verdadeiros “pais da pátria”, a imprensa revela que os ministros provavelmente não serão capazes de dar um esclarecimento à nação sobre o que foi tudo aquilo.
Os jornais levantam a hipótese de que alguns dos supostos crimes apontados pela acusação poderão prescrever antes de vir uma sentença. Algumas notas publicadas aqui e ali dão a entender que certos personagens demonizados pela imprensa simplesmente vão passar incólumes pelo julgamento, pela falta absoluta de provas para incriminá-los.
No meio do noticiário, há evidências de ligações entre o processo inicial do caso “mensalão” e o caso Cachoeira. Mais um pouco e vamos descobrir que Demóstenes Torres, o antigo paladino da Justiça, tinha outros sócios nesse processo, que a imprensa se verá obrigada a manter no anonimato.
Luciano Martins Costa
No Observatório da Imprensa

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