O noticiário do Distrito Federal acrescenta, a cada dia, novas
evidências de que o senador Demóstenes Torres, de Goiás, não atuava
simplesmente como um parlamentar, mas como sócio do contraventor Carlos
Augusto de Almeida Ramos, conhecido como Carlos Cachoeira. Em sua
expressão “legal”, a associação teria como face institucional a
construtora Delta e o laboratório Vitapan, apontada como a maior
indústria de medicamentos genéricos do país.
Em torno desse esquema, dizem os jornais, funcionaria uma extensa rede
de outras empresas, algumas legais, outras apenas de fachada, cuja
atividade principal seria dar um aspecto de normalidade a operações
financeiras destinadas a “lavar” o dinheiro do jogo e da corrupção.
O ponto de partida dos negócios, ao que tudo indica, é a indústria da
jogatina ilegal, tolerada em Goiás à base de propinas e estendida até o
Tocantins com o apoio de políticos cujas campanhas eleitorais têm sido
financiadas pelo dinheiro de máquinas de apostas. Suspeita-se agora que
o senador Demóstenes Torres pode ter se associado ao contraventor
ainda antes de abraçar a carreira parlamentar, quando atuava como
procurador de Justiça e secretário de Segurança no estado de Goiás.
Manifestações antirrepublicanas
Se o caso é verdadeiro, temos aqui o modelo exemplar para uma
investigação jornalística que pode desvendar um dos mais típicos
esquemas de corrupção em prática no país – e quem sabe inspirar
políticas de prevenção e contenção. Mas, a julgar pelo que disseram os
jornais de quarta-feira (18/4), não é isso que está ocorrendo.
Como se tornou prática desde a eclosão do chamado escândalo do
“mensalão”, a imprensa brasileira não parece interessada em investigar
coisa alguma. A amostra de declarações colhidas sobre o caso
Cachoeira-Demóstenes e sua hierarquização nas páginas dos diários revela
que a imprensa já começou a dirigir o noticiário com o propósito claro
de manipular as evidências.
O núcleo do escândalo começa a se deslocar lentamente da dupla
principal para protagonistas secundários, com a proliferação de
acusações que, dando a impressão de alcançar um número indefinido e
muito amplo de suspeitos, acaba por instalar a ideia de que tudo estaria
contaminado pela ação do grupo criminoso.
Ao dar curso a qualquer denúncia de relacionamento com um dos acusados,
sem avaliar a frequência e o teor de conversas gravadas pela polícia e
confrontar esse conteúdo com fatos reais, como a concessão de obras ou
transferências de dinheiro, a imprensa dilui o efeito da investigação e
reforça a sensação geral de descrença na democracia representativa.
Assim, começam a pulular nas redes sociais digitais manifestações
condenando genericamente as instituições republicanas.
Evidentemente, o comportamento de muitos parlamentares e representantes
do poder Executivo e do Judiciário não tem contribuído para erigir em
nome dos três poderes da República as estátuas de integridade que se
espera deles.
Os paladinos da Justiça
A manifestação do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro
Cezar Peluso, que deixou a presidência da Corte Suprema nesta
quinta-feira (19), é uma dessas oportunidades em que o estadista se
retira do recinto e deixa atrás de si um rastro em que se podem
identificar claramente os sinais de despeito, onipotência, ciúmes e
outros sentimentos humanamente rasteiros.
Por trás dos destempero do ministro ressoam seus desentendimentos com a
corregedora Eliana Calmon e sua frustração por não ter conseguido, em
dois anos no cargo, concretizar o aumento de vencimentos do poder
Judiciário.
Mas o conjunto de notícias também induz o leitor atento a notar que há
uma disputa de bastidores no Supremo Tribunal Federal em torno do
julgamento do caso intitulado “mensalão”.
Depois de muito barulho, período em que a corte se manteve no centro
das atenções do país, com a construção de verdadeiros “pais da pátria”, a
imprensa revela que os ministros provavelmente não serão capazes de
dar um esclarecimento à nação sobre o que foi tudo aquilo.
Os jornais levantam a hipótese de que alguns dos supostos crimes
apontados pela acusação poderão prescrever antes de vir uma sentença.
Algumas notas publicadas aqui e ali dão a entender que certos
personagens demonizados pela imprensa simplesmente vão passar incólumes
pelo julgamento, pela falta absoluta de provas para incriminá-los.
No meio do noticiário, há evidências de ligações entre o processo
inicial do caso “mensalão” e o caso Cachoeira. Mais um pouco e vamos
descobrir que Demóstenes Torres, o antigo paladino da Justiça, tinha
outros sócios nesse processo, que a imprensa se verá obrigada a manter
no anonimato.
Luciano Martins CostaNo Observatório da Imprensa
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