A torrente de evidências da ligação promíscua de Demóstenes Torres
com Carlinhos Cachoeira não privou o senador apenas de sua antiga
biografia. Tirou dele também o senso de realidade.
Imerso em denúncias, Demóstenes decidiu quebrar um silêncio que já
durava 15 dias. Neste sábado (7), veiculou um artigo no blog que mantém
na internet. O título é instigante: “Um Brasil maior para os pequenos.”
Um leitor apressado poderia imaginar que o senador propugna por um
país de dimensões grandiosas. Um Brasil grande o bastante para acomodar
pessoas que, como ele, apequenaram-se. Engano.
Lendo-se o texto (disponível aqui),
percebe-se que Demóstenes ainda se julga em condições de posar de
gigante. Em 13 parágrafos, não anotou uma mísera palavra sobre a crise
moral em que se encontra mergulhado.
Dedica-se no artigo a criticar as medidas de estímulo à indústria
anunciadas por Dilma Rousseff há cinco dias. Chama as providências de
“saco de bondades”. Sustenta que o pacote “trouxe menos que o esperado”.
Como se nada estivesse sucedendo à sua volta, Demóstenes ainda mantém
no cabeçalho do site um selo que já não orna com sua condição de
náufrago: “CPI da Corrupção, eu assinei”.
No momento, a única investigação parlamentar com alguma chance de
vingar no Congresso é a CPI do Cachoeira. Alheio ao novo cenário,
Demóstenes leva os lábios ao trombone para queixar-se da desatenção de
Dilma com os “empreendimentos de fundo de quintal, das lojinhas sem
registro, dos feirantes.”
Escreve: “São esses os que clamam no deserto da falta de
financiamento, da ausência absoluta de condições de giro. O governo, que
garante não abandonar a indústria, poderia completar a frase: ‘… não
importa o tamanho’.”
Avalia que “os gargalos são abissais para grandes e pequenos”. Mas
toma as dores dos “micros”, cujo “poder de pressão se resume ao grito
diante dos juros em empréstimos, em geral com agiotas clandestinos.”
Acrescenta: “A esperança é que, mesmo aos sustos, a eles chegue a
sacola de facilidades sacudidas pelo governo quando a quebradeira se
avizinha.” Há um mês, esse Demóstenes combativo do artigo talvez fosse
tomado a sério.
Hoje, arrisca-se a ser visto como um músico do Titanic. A história
registra que, no célebre naufrágio, podia-se ouvir dos barcos
salva-vidas a orquestra tocando até o fim. A caminho do fundo,
Demóstenes recusa-se a ajustar o repertório.
Parece imaginar que ainda há no salão ouvidos dispostos a dar atenção
a qualquer nota que não se pareça com uma boa explicação. A última
manifestação de Demóstenes antes desse artigo viera em 23 de março, na
forma de um lote de notas no twitter.
Numa delas, o senador anotara:
“Não faço parte nem compactuo com qualquer esquema ilícito, não integro
organização ilegal nem componho algo do gênero.” Desde então,
avolumaram-se os grampos telefônicos em que soam as conversas vadias que
denunciam o contrário.
A despeito de tudo, Demóstenes serve seu artigo à platéia de costas
para os fatos. É como se, sem se dar conta do desnível do chão, o
senador atribuísse a vertigem ao redor à má procedência do champanhe
servido na embarcação.
Queixa-se no texto da precariedade da infraestrutura no Brasil de
Dilma: “Enquanto isso, rodovias, portos, aeroportos, ferrovias e a
burocracia seguem seu curso, tragando sonhos de todas as extensões.”
Com água pelo nariz, as caldeiras explodindo do seu lado, os tubarões
entrando pelas escotilhas, Demóstenes mantém-se agarrado ao trombone
enquanto afunda. Quando cair em si, estará tocando suas últimas notas:
“Glub-glub-glub…”
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