Por dever de ofício, li o texto de capa de revista que tenta provar que
investigar os crimes do Carlinhos Cachoeira, no Congresso, é um
atentado à liberdade de expressão.
O que chamou minha atenção foi a frase abaixo, que interpretei como defesa do uso de fontes-bandidas:
Qualquer repórter iniciante sabe que maus cidadãos podem ser portadores de boas informações. As chances de um repórter obter informações verdadeiras sobre um ato de corrupção com quem participou dele são muito maiores do que com quem nunca esteve envolvido. A ética do jornalista não pode variar conforme a ética da fonte que está lhe dando informações. Isso é básico. Disso sabem os promotores que, valendo-se do mecanismo da delação premiada, obtêm informações valiosas de um criminoso, oferecendo-lhe em troca recompensas como o abrandamento da pena.
Registre-se, inicialmente, a tentativa dos autores de usar os
promotores de Justiça como escada. Tentam sugerir ao leitor que o
esforço da revista, ao dar espaço em suas páginas a fontes-bandidas, equivale ao dos promotores de Justiça.
Sonegam que existe uma diferença brutal: os promotores de Justiça usam a
delação premiada para combater o crime. Os criminosos que optam pela
delação premiada têm as penas reduzidas, mas não são perdoados. E a
ação ajuda a combater um mal maior. Um resultado que pode ser
quantificado. O peixe pequeno entregou o peixe grande. Ambos serão
punidos.
O mesmo não se pode dizer da relação de um jornalista com uma
fonte-bandida. Se um jornalista sabe que sua fonte é bandida, divulgar
informações obtidas dela não significa, necessariamente, que algum crime
maior será evitado. Parece-me justamente o contrário.
O raciocínio que qualquer jornalista faria, ao divulgar informações
obtidas de uma fonte que ele sabe ser bandida, é: será que não estou
ajudando este sujeito a aumentar seu poder, a ser um bandido ainda
maior, a corromper muito mais?
Leiam de novo esta frase: As chances de um repórter obter
informações verdadeiras sobre um ato de corrupção com quem participou
dele são muito maiores do que com quem nunca esteve envolvido.
Não necessariamente. Ele não tem qualquer garantia de que as
informações são verdadeiras se vieram de um corrupto. Que lógica é esta?
O policial que não estava lá mas gravou a conversa que se deu durante
um ato de corrupção provavelmente vai fornecer uma versão muito mais
honesta sobre a conversa do que os corruptos envolvidos nela.
O repórter que lida com alguém envolvido em um ato de corrupção sabe,
antecipadamente e sem qualquer dúvida, que a informação passada por
alguém que cometeu um ato de corrupção atende aos interesses de quem
cometeu o ato de corrupção. Isso, sim, é claro, não que as informações
sejam necessariamente verdadeiras.
O repórter sabe também que, se os leitores souberem que a informação
vem de alguém que cometeu um ato de corrupção, imediatamente perde parte
de sua credibilidade. Não é por acaso que Carlinhos Cachoeira, o
bicheiro, se transformou em “empresário do ramo de jogos”.
É por saber que ele era um “mau cidadão” que a revista escondeu de seus
leitores que usava informações vindas dele. Era uma fonte
inconfessável.
Não foi por acaso que Rubnei Quicoli, o ex-presidiário, foi apresentado
como “empresário” pela mídia corporativa quando atendia a determinados
interesses políticos em plena campanha eleitoral. A mídia corporativa
pode torturar a lógica, mas jamais vai confessar que atende a
determinados interesses políticos.
Carlinhos Cachoeira não é, convenhamos, nenhum desconhecido no submundo
do crime. Vamos admitir que um repórter seja usado por ele uma vez.
Mas o que dizer de um repórter usado durante dez anos, por uma fonte
que ele sabe ser bandida?
Sim, porque o texto, sem querer, é também uma confissão de culpa:
admite que a revista se baseou em informações de um “mau cidadão”. Ora,
se a revista sabia tratar-se de um “mau cidadão” e se acreditava
envolvida em uma cruzada moral para “limpar a sociedade” de “maus
cidadãos”, não teria a obrigação de denunciá-lo?
Concordo que jornalistas não têm obrigação de dar atestado de bons antecedentes a todas as suas fontes.
Mas onde fica a minha obrigação de transparência com meus leitores se
divulgo seguidamente informações que sei serem provenientes de um “mau
cidadão”? Qual é o limite para que eu seja considerado parceiro ou
facilitador do “mau cidadão”?
Se imperar, a lógica da revista será muito conveniente para aqueles policiais presos por associação ao crime.
Tudo o que terão de dizer, diante do juiz: “Ajudei a quadrilha de
assaltantes de bancos, sim, doutor, matando e prendendo os inimigos
deles. Mas foi para evitar um mal maior, meritíssimo: uma quadrilha que
era muito mais bandida”.
À CPI, pois.
Luiz Carlos AzenhaNo Viomundo
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