Jornalismo investigativo e cumplicidade com práticas criminosas podem
estar sendo confundidos. Vale lembrar a afirmação de Paul Virilio: “A
mídia é o único poder que tem a prerrogativa de editar suas próprias
leis, ao mesmo tempo em que sustenta a pretensão de não se submeter a
nenhuma outra”.
Algo de muito errado está acontecendo com a grande mídia no Brasil.
Enquanto empresários da mídia impressa ou concessionários do serviço
público de radiodifusão – e seus porta-vozes – reafirmam, com certa
arrogância, seu insubstituível papel de fiscalizadores da coisa (res)
pública, o país toma conhecimento, através do trabalho da Polícia
Federal, de evidências do envolvimento direto da própria mídia com os
crimes que ela está a divulgar.
E mais: a solidariedade corporativa se manifesta de forma explícita. Por
parte de empresas de mídia, quando se recusam a colocar setores de seu
negócio entre os suspeitos da prática de crimes, violando assim o
direito à informação do cidadão e o seu dever (dela, mídia) de informar.
Por parte de jornalistas, que alegam estarem sujeitos a eventuais
relacionamentos “de boa fé” com “fontes” criminosas no exercício
profissional do chamado jornalismo investigativo.
Será que – na nossa história política recente – o recurso retórico ao
papel de fiscalizadora da coisa (res) pública não estaria servindo de
blindagem (para usar um termo de agrado da grande mídia) à indisfarçável
partidarização da grande mídia e também, mais do que isso, de disfarce
para crimes praticados em nome do jornalismo investigativo?
Imprensa partidária
Historiadores da imprensa periódica nos países onde ela primeiro
floresceu, sobretudo Inglaterra, França e Estados Unidos, concordam que
ela – ou o de mais parecido com aquilo que hoje entendemos como tal –
nasceu vinculada à política e aos partidos políticos. Numa segunda fase,
transformou-se em empresa comercial, financiada por anunciantes e
leitores. No Brasil, as circunstâncias históricas, certamente nos
diferenciam dos países citados, mas não há distinção em relação às
origens políticas e partidárias da imprensa nativa.
Foi Antonio Gramsci, referindo-se à imprensa italiana do início do
século 20, quem primeiro chamou a atenção para o fato de que os jornais
se transformaram nos verdadeiros partidos políticos. Muitos anos depois,
entre nós, Octavio Ianni chamou a mídia de “o Príncipe eletrônico”.
Apesar disso, a imprensa que passa a se autodenominar de “independente” é
aquela que é financiada, sobretudo, pelos anunciantes e, ao longo do
tempo, reivindica sua legitimação no princípio liberal do “mercado livre
de ideias”, externo e/ou interno à própria imprensa.
No Brasil dos nossos dias, até mesmo os empresários da grande mídia
admitem seu caráter partidário como, aliás, já afirmou publicamente a
presidente da ANJ.
Jornalismo investigativo
O chamado “jornalismo investigativo” acabou levando a grande mídia a
disputar diretamente a legitimidade da representação do interesse
público, tanto em relação ao papel da Justiça – investigar, denunciar,
julgar, condenar e, eventualmente, perdoar – como em relação à política
institucionalizada de expressão da “opinião pública” pelos políticos
profissionais eleitos e com cargo nos executivos e nos parlamentos.
Ademais, o assumido papel de oposição partidária parece estar levando
setores da grande mídia a não diferenciar “jornalismo investigativo” –
e/ou relação com “fontes” – e o exercício de uma prática profissional
que escorrega perigosamente para o crime, sem qualquer limite ético e/ou
legal.
Jornalismo investigativo e cumplicidade com práticas criminosas podem
estar sendo confundidos. Vale, portanto, lembrar a afirmação de Paul
Virilio: “A mídia é o único poder que tem a prerrogativa de editar suas
próprias leis, ao mesmo tempo em que sustenta a pretensão de não se
submeter a nenhuma outra”.
Parece que, lamentavelmente, atingimos a esse perigoso e assustador limite no Brasil.
Venício Lima
Professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011.
No Carta Maior
Professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011.
No Carta Maior
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