Eberth Vêncio, Revista Bula
“Enquanto mirava pelo vão da cela a lua dependurada no
céu estrelado, Sepúlveda Embornal — mais conhecido na raissoçaite como
“Nhambuzinho na Capanga” — pensava no pai que fora sepultado pela manhã. E
ele ali: preso, sem que ao menos pudesse prestar ao velhote — que foi quem
começou todo aquele emaranhado de negócios lícitos e escusos super bem
sucedidos — uma derradeira homenagem, enquanto a urna de pau brasil
cravejada com penduricalhos de ouro descia no vazio da cova, ao som de
“Carinhoso”, tocado magistralmente por um trio de cordas.
Abatido por um desgosto profundo que fez explodir um
aneurisma no meio da gelatina cerebral, o barão teve morte súbita ao tomar
ciência que o filho fora capturado, acusado de tráfico internacional de órgãos
humanos e outros crimes menores deveras corriqueiros como rinhas de galo,
compra de votos para correligionários, tráfico de influência nos vários poderes
da república dos bananas, desmatamento da floresta amazônica para
comercialização ilegal de madeira, destruição do cerrado pra fazer carvão e
criar nelores, dentre otras cositas más.
O esquema era o seguinte: raptar e executar menores de
rua, de preferência aqueles viciados que perambulavam pelas várias cracolândias
do país, além da estripação dos mesmos e contrabando das vísceras. “No futuro,
a história vai reconhecer o meu papel: estou prestando um bem imensurável à
nação, ao retirar do convívio social estes jovens degenerados ”, lamentava Nhambuzinho
em suas reflexões neonazistas.
Apesar de ser duro como um caroço de pequi, o
criminoso — que falava com fluência três idiomas (principalmente, a
linguagem fria do dinheiro) e tinha um diploma legítimo da Faculdade do Crime
— aproveitou que estava detido numa cela especial para choramingar feito
bebê. “Famiglia é a coisa mais preciosa do mundo”, ele se sentia um Mike
Corleone deprimido, injustiçado.
Então jurou que mataria com as próprias mãos, por
asfixia ou bala na cara (preferia a primeira alternativa, para se regozijar com
os olhos esbugalhados da vítima e os lábios azulados), cada um dos seus
algozes, especialmente os delatores, os traíras, aqueles maricas beneficiados
pela delação premiada. “Que nojo a nossa justiça...”, pensou, sentindo-se uma verdadeira
Geni (“Ópera do Malandro”, de Chico Buarque de Hollanda), tão bombardeado
tivera sido pelos antigos amigos (empresários ricos, políticos-de-esquema,
autoridades do Executivo e o alto clero).
Tentou em vão subornar carcereiros,
sensibilizar seus corações de baru. Aproveitando o clima favorável à execração
pública, ocasião em que jornais, revistas, mídias sociais e a televisão
destilavam diariamente as escutas telefônicas comprometedoras envolvendo
policiais corruptos, políticos velhacos de carreira, jornalistas mau-caráter,
cafetinas de luxo, e médicos mercenários que operavam a melindrosa dissecação
de cadáveres pueris fresquinhos, os guardiães daquele presídio de segurança
relativa não puderam ceder às ofertas milionárias do sujeito, que não saía do
noticiário e dos pesadelos de dezenas de socialaites da capital federal e de
outras metrópoles brasileiras.”
Crônica Completa, ::Aqui::
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