quinta-feira, 5 de abril de 2012

O mundo é dos espertos

Viver em São Paulo se torna a cada dia que passa um exercício de masoquismo. Não bastasse os índices alarmantes de violência, que só aumentam, as carências nas áreas de saúde, educação e transporte público, para ficar só nas mais essenciais, não fosse a sujeira em todo o lugar, a poluição de todo o tipo que só permite ver um céu de um azul esmaecido, quase cinza, eis que o encarecimento dos serviços avança de braços dados com a sua deterioração.
Indo trabalhar, ouço no rádio que o estacionamento do Shopping Butantã cobrou R$ 100 para quem deixasse lá o carro para ir ver o show de Roger Waters, no estádio do Morumbi. O preço normal é de R$ 4. E o gerente do estacionamento teve a cara dura de dizer que não houve nenhum aumento abusivo, pois os clientes foram avisados previamente do preço. Além disso, explicou que o aumento foi para "selecionar" a freguesia: segundo disse, eles queriam um público classe A, que, nas suas palavras, é mais educado. Também justificou a exorbitância pela necessidade de contratar mais seguranças - que acabaram brigando com clientes que quiseram ir embora sem pagar. Coisas do público classe A...
Dias antes leio que o famosíssimo Bar do Leo, dito e havido como o lugar onde se tira o melhor chope de São Paulo, vendia gato por lebre, ou Ashby por Brahma. A inacreditáveis R$ 9 a tulipa! Além disso, preparava seus quitutes com comida estragada ou sem procedência definida.
Esse tal de Bar do Leo nunca me enganou. Ou melhor, quase me enganou, certa vez que fomos lá, eu e minha mulher, e pedi ao garçom, com toda a educação do mundo, que colocasse duas fatias de tomate num sanduíche de queijo prato. A resposta do sujeito foi uma frase que não deixava dúvida do tipo de lugar em que estávamos:
- Nós não fazemos isso aqui.
O cara, talvez em nome da alta gastronomia praticada no lugar - um boteco sujo, escuro, desconfortável, como milhares de outros espalhados pela cidade -, contrariou tudo o que o bom negociante deve fazer, ou seja, dar sempre razão ao freguês. E por isso, e também porque já não tenho idade para aturar imbecis ou picaretas ou ladrõezinhos de meia tigela, me levantei, acompanhado de minha mulher, e fomos embora, sem remorsos nem arrependimentos.
Mas em São Paulo as coisas funcionam assim mesmo. Um lugar como esse botequim de quinta categoria pega fama, sabe-se lá o motivo, e depois deita na cama, vive anos e anos explorando os tontos que vão lá comer comida estragada e beber chope falsificado, pagando os olhos da cara e sendo pessimamente atendidos por garçons que parecem ter saído das escolinhas do PCC.
Quis dar esses dois exemplos - o estacionamento do Shopping Butantã e o bar do Leo - porque acho que eles sintetizam o espírito do prestador de serviços paulistano, que tem aproveitado da maneira mais predatória possível este bom momento econômico que vive o país, aumentando preços sem nenhuma justificativa, abusando da imaginação para bolar formas de ganhar o que puder o mais rapidamente possível, sem se importar o mínimo que seja com o pobre do consumidor.
Dei os dois exemplos, mas agora, bem no fim desta "crônica" me lembrei que amanhã, quarta-feira, os supermercados voltam a cobrar pelas sacolinhas de plástico - em nome da salvação do planeta, é claro.
E eis que me vem à cabeça as imagens daquele comercial de cigarro, lá pelos anos 70 ou 80, protagonizado pelo Gerson, que expressava a alma dos brasileiros - não de todos, felizmente - e no qual ele concluía que "o importante é levar vantagem em tudo, certo?"
Como se vê, tantos anos depois as coisas não mudaram muito, certo?

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