domingo, 1 de abril de 2012

Onde Judas encontrou um Sinal Fechado


Do Viomundo - 1 de abril de 2012 às 10:45 por Daniel Dantas Lemos
Era dia 9 de fevereiro de 2011. O governo do RN anunciaria, em poucas horas, o cancelamento do contrato de insperação veicular com o Consórcio Inspar – cancelamento que somente foi efetivado em maio. Mas antes disso, os envolvidos no esquema fraudulento já tinham recebido a informação.
As informações estão presentes nos documentos públicos da petição do Ministério Público e denúncia contra os 32 investigados. Desses, 27 viraram reús, incluindo dois ex-governadores, Wilma de Faria (PSB) e Iberê Ferreira (PSB), dois ex-diretores do DETRAN, empresários. O Ministério Público apontou como líder da quadrilha o advogado George Olímpio.
O que aconteceu naquele dia 9 de fevereiro?
Pela manhã, os membros da organização são informados de que o contrato do governo com o Consórcio montado para faturar dinheiro com a fraude será cancelado. George Olímpio é convocado para ir a Brasília. Em telefonema a Gilmar da Montana, George diz:
“Eu estou chegando no aeroporto. Eu tô indo para Brasília agora… vou falar com o Ministro [José Delgado] e com José Agripino... eles mandaram me chamar lá, tô pegando o vôo agora” (negrito é nosso).
Abaixo, o trecho da transcrição na petição da Operação Sinal Fechado:
Perceba que não foi George que pediu o encontro com o senador José Agripino, atualmente presidente do DEM, e José Delgado: “eles mandaram me chamar lá”. O interesse em conversar com George no dia do anúncio do cancelamento do contrato era de Agripino.
Em conversa subsequente, George conversa com o ex-cunhado, Eduardo Patrício, antigo dono da Delphi Engenharia e um dos réus da Operação Sinal Fechado. E Eduardo dá a senha: a solução possível é “seguir com José [Agripino]“.
O que trouxe, finalmente, os holofotes sobre José Agripino nesta semana foi o vazamento do depoimento justamente do réu Gilmar da Montana. Gilmar informa ter sabido por George que foi repassado R$ 1 milhão para as campanhas de José Agripino e Rosalba Ciarlini por parte da quadrilha.
Note o trecho seguinte do depoimento de Gilmar:
Gilmar diz que pediu ajuda, para salvar o negócio, a alguns desembargadores. Entre eles, Osvaldo Cruz e Rafael Godeiro, denunciados por Carla Ubarana e George Leal como beneficiários dos desvios investigados na Operação Judas.
Não é por acaso, então, que na conversa acima entre George e Gilmar da Montana, um outro nome aparece convocando os membros da quadrilha. Diz Gilmar: “… Osvaldo queria falar com a gente… eu não sei, você que sabe, se você não quiser ir não vá”.
Além de José Agripino, agora é o desembargador Osvaldo Cruz que deseja conversar? O conteúdo da ligação combina perfeitamente com o que foi dito por Gilmar no depoimento — que agora José Agripino diz que foi dado sob efeito de medicamentos.
Enfim, no TJ parece que se cruzam Judas e Sinais Fechados.
Saiba mais sobre a Operação Judas
Uma investigação do Tribunal de Justiça apontou, em janeiro, indícios de desvios no pagamento de precatórios. A suspeita caiu sobre a chefe do setor, Carla Ubarana. Em 31 de janeiro, o MP e a Polícia Civil deflagraram a Operação Judas – com a prisão de suspeitos e apreensão de documentos que poderiam comprovar o desvio de pelo menos R$ 30 milhões desde 2008.
Na semana passada, a principal suspeita, Ubarana, e seu marido, George Leal, assinaram um termo de colaboração premiada com o MP. Já ali, afirmavam que teriam ficado com cerca de 20% dos recursos desviados – ou R$ 6 milhões.
Nessa sexta-feira, 30, diante do juiz, devolveram em bens e dinheiro o equivalente a cerca de R$ 5 milhões aos cofres públicos e denunciaram a participação dos dois últimos presidentes do TJ-RN, os desembargadores Osvaldo Cruz e Rafael Godeiro. Os mesmos que Gilmar da Montana citou em seu depoimento.

A defesa do senador

O jornal Tribuna do Norte publicou hoje uma entrevista com o advogado de Gilmar de Montana, José Luiz C. de Lima. A Tribuna é de propriedade do deputado federal Henrique Alves (PMDB), aliado local da governadora Rosalba Ciarlini (DEM) e do senador José Agripino (DEM). Abaixo imagem da da versão impressa e um trecho da on-line:
O conteúdo da entrevista publicada hoje na Tribuna do Norte é praticamente o mesmo da nota distribuída à imprensa pela assessoria do senador José Agripino (DEM) na quinta-feira.
Uma frase me chamou muita atenção, atribuída ao advogado:
Antes de mais nada, é bom deixar claro que eu não era advogado de Gilmar Lopes quando ele prestou aquele primeiro depoimento. Depoimento, aliás, que foi prestado, pelo que ele me disse, em condições de absoluto estresse emocional e debilidade física. Ele foi retirado do hospital às sete da manhã, sem saber nem para onde ia, sem assistência de advogado credenciado e sob efeito de remédios tranquilizantes.
A discussão sobre qual medicamento e que efeito teria, já travei em outro lugar. Aqui o que eu quero destacar é a informação de que Gilmar teria sido retirado do hospital às sete da manhã, sem assistência de advogado credenciado.
Gilmar foi interrogado duas vezes pela Promotoria de Defesa do Patrimônio Público do Ministério Público estadual. Na primeira, logo após ser preso – deu o famoso depoimento, com a presenca de sua advogada. Ele saiu de sua casa preso e foi direto para o Ministério Público.
No dia 28, quatro dias depois da prisão e do primeiro depoimento, todos os presos foram levados para a promotoria para serem interrogados novamente. Dessa vez, Gilmar não quis falar nada.
O primeiro depoimento de Gilmar foi acompanhado por um advogado, segundo consta no termo: Cláudia Cappi.
Gilmar foi preso em casa. Passou mal no fim do dia 24, dia da prisão, após prestar depoimento. Depois de uma dor epigástrica forte e pico hipertensivo, Gilmar foi internado no Hospital do Coração.
Após ser preso, Gilmar divulgou nota à imprensa no dia 26 de novembro, – dois dias depois. Nesta nota, Gilmar esclarece, sem sombra de dúvidas:
Tive a minha casa e escritório devassados, fui preso e hospitalizado, me vejo condenado sem julgamento, com o meu nome negativamente exposto perante a sociedade, envolto em um ‘mar de lama’.
Ou seja, Gilmar foi hospitalizado após a prisão – e o depoimento em que envolve o senador José Agripino.
Atribuir a responsabilidade ao que foi dito é afirmar que os remédios o fizeram fantasiar a história do depoimento? Ou, é fazer crer que ele falou mais que devia por estar sob efeito de remédios?
Desacreditar o depoimento de Gilmar é bom para vários réus, inclusive os ex-governadores Wilma de Faria e Iberê Ferreira.
E quando Gilmar falou a outros interlocutores, confirmando o teor de seu depoimento ao MP, ele ainda estava sob efeito dos remédios?
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