O presidente do Ipea, Márcio Pochmann, e o ex-ministro da
Educação, Fernando Haddad, vão concorrer às prefeituras de Campinas e
São Paulo, respectivamente, por interferência direta do ex-presidente, e
dentro de um projeto de mudança no perfil de um partido que, para
Lula, esgotou o ciclo que vai de sua criação até a ascensão social de
grandes massas da população não organizadas.
São Paulo - A intervenção do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
nas eleições dos dois mais importantes municípios paulistas - São
Paulo, capital e Campinas – tem um objetivo que transcende o pleito de
outubro. Lula colocou em andamento uma estratégia que consiste em
oxigenar o PT via seu núcleo paulista, estruturado a partir dos
movimentos sindicais dos anos 80, e trazê-lo para uma realidade de
democracia consolidada no país, mas de onde emerge uma classe
desgarrada do sindicalismo, das associações de base ou da militância em
movimentos sociais.
Essa visão dos desafios que o partido terá que enfrentar para se
adequar a esse novo ciclo político foi exposta por Lula ao economista
Márcio Pochmann, no ano passado, quando o chamou para conversar sobre a
possibilidade de aceitar a candidatura petista à prefeitura de
Campinas. Simultaneamente, Lula investiu no seu ex-ministro da
Educação, Fernando Haddad, para que assumisse igual papel, em outubro,
na disputa pela prefeitura da maior cidade do país e da América Latina,
São Paulo.
Pochmann e Haddad têm biografias parecidas. Ambos, muito jovens,
estavam nas articulações que resultaram na fundação do PT. Os dois, em
algum momento, tornaram-se quadros intelectuais do partido, ao seguirem
carreira acadêmica. Ambos integraram a administração de Marta Suplicy
(2001-2004) - Pochmann comandou a pasta do Trabalho e Haddad foi chefe
de gabinete da Secretaria de Finanças, cujo titular era João Sayad.
Haddad foi ministro de Lula; Pochmann assumiu, em 2007, a presidência
do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea).
Ambos podem ser enquadrados na classificação de "técnicos", por terem
feito carreiras mais ligadas à academia do que à política
institucional, mas não há como negar que, também por essas qualidades,
foram parte e articuladores de políticas de gestão pública importantes.
"O PT é muito grande e terá candidatos a prefeitos de diversas origens.
Haddad e eu somos os únicos que viemos do sistema universitário e com
experiências mais intelectuais", afirmou Pochmann, em entrevista à
Carta Maior. A escolha de dois acadêmicos que tiveram experiências na
gestão pública federal, na opinião do pré-candidato em Campinas, é uma
inversão na ideia de que uma prefeitura é apenas o início de uma
carreira política: o espaço municipal é retomado como um elemento
fundamental para o êxito de políticas públicas. “O sucesso do governo
federal em políticas públicas decorre de experiências exitosas de
prefeituras, como os bancos populares municipais, o orçamento
participativo, políticas de distribuição de renda e o próprio Sistema
Único de Saúde (SUS)”, afirma Pochmann.
O movimento municipalista dos anos 70 e 80, se foi fundamental para a
inovação da gestão, vive hoje uma fase de esgotamento, pela
“pasteurização das políticas públicas”, afirma o economista. As
inovações daquele período foram absorvidas indistintamente pelas
administrações municipais, independentemente dos partidos políticos a
que pertenciam os gestores. Pochmann acredita que desafio para ele e
Haddad é propor um novo ciclo de renovação de políticas públicas, numa
realidade econômica em que o país tem uma melhor distribuição de renda e
adquire maior importância no cenário internacional.
Pochmann, que se intitula da “esquerda democrática, que tem como valor
fundante a radicalização da democracia”, considera que essa vertente
ideológica tem desafios próprios. O primeiro deles é o de reconhecer
“um certo esgotamento da experiência democrática representiva” e, a
partir daí, avançar e propor novos instrumentos de participação da
população na gestão municipal. Um avanço seria associar os conselhos
municipais, que hoje existem em todas as áreas da administração, a
orçamentos participativos territorializados. “Hoje há áreas geográficas
enormes, com grandes populações, e a ideia de um município
centralizado na prefeitura, em um único espaço, distancia a
participação popular”, afirma o presidente do Ipea.
Outro desafio, segundo o pré-candidato, será lidar com cidades que
tiveram uma forte experiência industrial e hoje se transformam em
municípios de serviços. A cidade industrial empurrou as pessoas mais
pobres para as periferias e comprometeu uma grande parte do tempo das
pessoas com todos tipos de deslacamento. A cidade de serviços, com o
avanço das tecnologias de informação e comunicação, não pressuporá
grandes deslocamentos “se houver uma mudança da centralidade da
cidade”. O novo modelo é aquele em que o trabalho e a residência são
mais próximos, “com forte presença do espaço público e da educação, que
é o principal ativo dessa sociedade”, diz Pochmann.
O outro grande desafio é a alteração na demografia das grandes cidades
brasileiras. “Estamos vivendo uma transformação importante na queda da
fertilidade brasileira e em duas décadas teremos uma regressão absoluta
no número de habitantes e um aumento na proporção de pessoas idosas”,
observa. Esta é uma realidade para a qual o país não está preparado.
“Vão sobrar escolas, haverá uma mudança no perfil profissional da
população e será uma sociedade de jovens e adultos muito complexa, com
forte dependência do conhecimento”.
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