Desmantelado por seu anacronismo, o Tea Party provavelmente se
tornará mais uma seita norte-americana, como tantas outras há, com seus
militantes cultivando nas sombras o ódio, e o adubando com as utopias
satânicas. Como, nos Estados Unidos, os cavalos, não montados quando
passam diante da porta, se perdem depois na indocilidade das pradarias
desertas, Mitt Romney pode renunciar definitivamente à Casa Branca, da
mesma forma que os ateus renunciam ao paraíso celestial. O momento,
sendo de Obama, é o da busca do entendimento entre os democratas
pragmáticos e os republicanos moderados. Esse bom senso, depois da
vitória de Obama, é o do caminho do meio, sem os escolhos das beiradas.
Os fatos, sempre soberanos, ali mais do que em todos os outros lugares,
estão demonstrando que o modelo social e econômico de nossa civilização
entrou em estado de caquexia, por obra e graça da ganância. O dínamo do
sistema financeiro, que é a estrutura bancária, sempre foi o da
confiança, uma vez que a quase totalidade de suas operações recíprocas
se fazem virtualmente, com a troca de mensagens, desde que os
banqueiros, do início do mercantilismo inventaram as letras de câmbio.
No passado, a violação desse princípio deontológico e dessa confiança,
por um banco ou outro, significava a punição dos infratores. Hoje, como
sabemos, é todo o sistema que se abastardou. Basta, para confirmar essa
erosão moral, o mercado de derivativos e a manipulação da taxa Libor
pelo Barclays, com a cumplicidade de outras instituições do mesmo porte –
sem falar nas arcas secretas dos paraísos fiscais. E há ainda a
parceria comprovada de alguns dos maiores bancos do mundo com os
narcotraficantes e outros bandidos do crime organizado, como os
governantes corruptos. A globalização da economia significa a
globalização do crime, mediante o sistema financeiro internacional.
Faz falta, no Brasil, uma prática anglonorteamericana, que é a do
contato permanente entre o governo e a oposição fora do parlamento. É
normal que o poder executivo, começando pelo Presidente, negocie sempre
com os líderes adversários, em busca de um entendimento nos assuntos
mais graves. A idéia de fundo é a de que o partido que governa e o
partido que se opõe servem a uma instituição permanente, que é o Estado,
da mesma forma que o Estado está a serviço da nação. Essa idéia, óbvia
em si mesma, é esquecida sempre que o ódio, o preconceito de classe e o
racismo se inserem na cultura da moda, inseminada pelos meios de
comunicação.
A grande revolução norteamericana, depois da Independência, foi a do fim
da segregação racial, que uniu negros e brancos nas grandes
manifestações de massa, e deveu primeiro a Eisenhower e, depois, aos
Kennedy, o estímulo à efetiva igualdade de direitos entre todos os
cidadãos. Há que se lembrar a política de bem-estar social de Roosevelt,
com seu new deal, o que levou a América a ter, em seu tempo, a
mais extensa e favorecida classe média do mundo. Além do fim dessa
classe média, a igualdade de oportunidades vem sendo negada, em alguns
estados – tal como era negada antes aos negros – aos imigrantes dos
países pobres. O projeto de Obama contempla uma legislação mais liberal
nesse sentido – o que contribuirá para a paz interna.
Ao mesmo tempo, desatadas do controle político, a ciência e a sua fiel
executora, a tecnologia, dominadas pelo capital, não aceitam quaisquer
limites do bom senso, e fornecem ao alucinado sistema de produção
industrial e de consumo todos os meios a fim de destruir a Terra, embora
alguns pesquisadores sensatos indiquem também os caminhos de evitar
esse destino. O problema é que a razão neoliberal do capitalismo faz e
desfaz governos no mundo inteiro e neles controla os meios de
comunicação. Essa insensatez, assustadora nos Estados Unidos, tem sido
mais estimulada nos governos republicanos.
Um bom sinal, nos Estados Unidos, é o de que nos dois lados, tanto no
Partido Republicano, como no Democrata, começa a surgir uma zona de
entendimento, que pode ampliar-se, na aceitação de que reformas
profundas são necessárias, a fim de impedir os desastres anunciados, na
natureza e na sociedade humana.
Esta atitude moderada é uma lição para os brasileiros. Combatida por
alguns, e mal conduzida por outros, há, na política brasileira, desde o
império, a tendência à conciliação. Nada de mais natural: o objetivo da
política é administrar os conflitos, e esses conflitos não se
administram sem o diálogo. O espaço natural para esse entendimento é o
do Parlamento, mas a deformação do processo eleitoral, com as idéias
sendo substituídas por mesquinhas razões corporativas, tem reduzido a
eficácia desse processo. Os líderes do governo e da oposição, escolhidos
pelas bancadas, pouco se encontram e, quando se encontram, nem sempre
estão imbuídos da busca do entendimento. Discutem problemas pontuais,
sem ter a visão geral do país e do tempo.
Sem menosprezar a primazia do Parlamento, como o mais importante poder
republicano, é conveniente que os chefes de governo tenham encontros
regulares e diretos com os líderes da oposição parlamentar, para buscar o
entendimento prévio, quando se trata de decisões sensíveis, como as dos
royalties – para ficar no assunto do momento. Mas para essa tarefa não
servem os raivosos radicais da minoria, como os que pretendem
convulsionar ainda mais o processo político, ao denunciar Lula, com
indícios imaginários, ao Procurador Geral da República.
Trata-se, no caso, de desembuçada tentativa de golpe, que – não se
enganem – o povo brasileiro, nessa caminhada de reconstrução democrática
da República, não irá tolerar.
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