domingo, 2 de novembro de 2008

Contraversões: leituras do fim de semana

Amigos e leitores, mais uma vez e com certeza não será a última, transcrevo na íntegra matéria do Professor Emir Sader, do Blog DO Emir, no site da Carta Maior, que está entre os meus favoritos.
02/11/2008

Contraversões: leituras do fim de semana

Como sempre, a melhor leitura escrita semanal é Carta Capital. Deste número, entre várias matérias:

- O fim da imprensa escrita:
O jornal Christian Science Monitor teve coragem e tomou decisão histórica: aboliu sua edição impressa e só vai ter edição na internet. O custo da impressão e da entrega deixou de compensar. Haverá ainda uma versão semanal impressa.

- Crise da Globo
Crise da Globo, segundo Nirlando Beirão: “Se a Globo não consegue emplacar nem o prefeito do Rio é porque a crise é mesmo feia.”

- Insuficiência de fundos
Da coluna de Mauricio Dias, testemunho de leitor, sinal dos tempos: “Meu cheque retornou com a anotação de que havia ´insuficiência de fundos´. Em virtude dos acontecimentos no mercado, gostaria de saber se essa informação se refere a mim ou a vocês?”

- Economia digital tem um fundo socialista, diz Zizek
Do Prosa e Verso, entrevista com Slavoj Zizek, a propósito do seu livro “A visão em paralaxe” (Boitempo), que diz: “...cada vez mais o capitalismo tem dificuldade de trabalhar no nível da propriedade intelectual, para definir quais são os direitos legais desta. Na internet, há algo nos produtos intelectuais que resiste à propriedade privada. A economia digital tem um fundo socialista; os produtos foram artificialmente adaptados na fórmula capitalista, mas não funciona muito bem. Quero dizer que vivemos em tempos interessantes, em que há grandes confusões.”

- FSP (FORÇA SERRA PRESIDENTE): CASO DE TUCANAGEM EXPLICITA
Nestes 10 anos a Folha perdeu mais de metade dos seus leitores, passou de pouco mais de 600 mil de tiragem dominical a menos de 300. Essa decadência irreversível reflete o tucanalhamento do jornal, que passou a ter predominantemente leitores desse partido – conforme pesquisa publicada pelo próprio jornal, além de se concentrar cada vez mais nos setores mais ricos da população (92% dos leitores são das chamadas classe A e B, que possuem apenas 18% do país).

Sua cobertura da campanha foi a de um jornaleco de província aderido a um partido e a um candidato do governo local, cuja parcialidade escandalosa foi denunciada pelo moderado ombudsman do jornal em termos que levaram o funcionário da família Frias que nesse mesmo período de decadência do jornal exerce a função de editor de política a rabiscar umas bobagens para tentar explicar o tucanamento do jornal. Artigo tão medíocre e sem idéias como toda a edição do domingo, que consegue não ter nada significativo para ler.

Como tinha se tornado um boletim de campanha eleitoral, terminada esta, o jornal não sabe mais o que dizer, até porque seu catastrofismo econômico – que uma vez mais ocupa o titulo de primeira página, com declarações de um banqueiro do Bradesco (?!) - se tornou repetitivo e seus cronistas – como os da página 2, cuja leitura deixa penas de tucano nas mãos – não encontram nada de interessante em um mundo e um país como os nossos. O jornal de hoje não vale nem o acesso via Uol, para ver suas manchetes. É intranscendente e monótono, como o enunciado de seu editor-chefe – o mesmo, há décadas, filho do dono, da família que é proprietária da empresa, escolhido pelo pai e pelos irmãos, com o rabo preso com o tucanato paulista – Serra, em primeiro lugar, de quem se tornou o boletim de campanha para tentar tornar realidade o sonho do falecido pai do editor-chefe, de resgatar para a elite branca dos jardins a presidência da república.

(Tão ruim o jornal, que ainda tem artigo lamentando a derrota do Gabeira, com lágrimas de uma semana atrás. Conseguem deixar chato e repetitivo até o único cronista independente do jornal – o meu primo Zé Simão.)

Um jornal tão inteligente e palpitante como uma conversa com o Kassab – que contaminou o jornal, de tanta promiscuidade – ou simpático como o sorriso cínico e emburrado do Serra.

A FSP não se deu conta que jornal de direita por jornal de direita, o Estadão é melhor.

- O GLOBO: LUTO FECHADO AINDA PELA DERROTA NO RIOO Globo não irradia inteligência – é a cara do seu editor, do mesmo nível do da Folha. Mas agora está especialmente emburrado, cada vez mais brigado com o Rio, com a derrota do seu candidato no segundo turno das eleições municipais. O Globo não gosta do Rio, ainda mais que faz tempo que não consegue eleger candidatos para o governo e a prefeitura – os últimos foram Moreira Franco e Marcelo Alencar.

Tem, com o Estadão, uma vantagem sobre os outros – publica a única leitura indispensável na imprensa brasileira: Veríssimo. Que hoje volta de férias e deixa sua marca, como sempre: “Pelo menos a crise está servindo para restituir um pouco de indignação moral nas pessoas com relação a extremos de desigualdade, ao nível do puro ressentimento, como não se via desde que o capitalista deixou de ser objeto de caricatura – charutão na boca, dólares espirrando dos bolsos, pisando no proletariado – e virou herói cultural.” “...o mercado pode funcionar ou não, se autocorrigir ou não, mas nunca será melhor do que o caráter dos seus bandidos”.

Mas nada adianta para tirar o caráter de jornal sem prestígio, de baixo nível, que não forma opinião pública que tem O Globo, enquanto tiver como seus colunistas a Merval Pereira, a Miriam Leitão, a Ali Kamel. Não há detergente que limpe uma imagem dessas.

Pelo menos na economia tem uma matéria sobre um livro – "Globalidade, a nova era da globalização" (Nova Fronteira),de Harold Sirkin – que diz que os países emergentes devem comandar a recuperação econômica, faz uma lista das 100 empresas em melhores condições para enfrentar desafios globais, onde coloca 13 brasileiras, entre elas, é claro, a Petrobras.

Noticia-se mais abaixo que o governo chinês pensa como o brasileiro: não há recessão, mas desaceleração lá como cá.

O Globo noticia, com pouco destaque, a que deveria ser a noticia mais importante do dia: Celso Amorim visita o Irã, na primeira visita de um chanceler brasileiro, em 17 anos, àquele país e acerta a vinda do presidente do Irã ao Brasil e de Lula ao Irã, para assinarem acordos. Depois da visita a Cuba, das declarações de Lula por lá, dos acordos assinados e do anuncio da vinda de Raul Castro em dezembro ao Brasil, mais esta, para provocar a ira da direita nacional e internacional (Israel já chiou).

- O ESTADÃO: VERSÃO SISUDA DO MESMODa mesma forma que a FSP, depois de fazer campanha eleitoral militante para os candidatos da direita – especialmente em São Paulo, o jornal não consegue tirar seu ar paulistano -, segue alimentando o clima de especulações sobre a crise. A edição de domingo é igualmente pobre em matérias para ler, com a costumeira exceção do Veríssimo. Destaque para uma página inteira dedicada a um livro sobre o seqüestro dos dois militantes uruguaios durante a ditadura – O seqüestro dos uruguaios (L&PM), de Luis Claudio Cunha, com entrevista do autor. E nota sobre dois livros sobre a guerra da Maria Antonia, em 1968, da Faculdade de Filosofia da USP contra a direita, concentrada no Mackenzie ("1968 – O diálogo e a violência" (Unicamp), de Maria Ribeiro do Vale, e Maria Antonia – "A história de uma guerra" (Letras do Brasil), de Gilberto Amendola.

Mas a melhor noticia de todo o fim de semana foi a publicação do novo livro do Saramago.



Postado por Emir Sader às 07:45

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