sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Astros, deuses e eleição

Destaques Carta Capital

Mino Carta

27 de agosto de 2010

A previsão astrológica dizia que o momento mais auspicioso para Serra se daria em agosto. Que dirá do que vem aí…


Graças à revista Veja, edição de 21 de abril passado, aprendi que a Lua em Áries determina a liderança inata dos nascidos em Peixes, enquanto Saturno e Urano em conjunção levam-nos a reformular dogmas, desenvolver habilidade organizacional e reunir pessoas diferentes em prol da mesma causa. Palavras do astrólogo Oscar Quiroga ao traçar o mapa do pisciano José Serra, com exclusividade para a semanal da Editora Abril. Mas tem mais. Júpiter atingiria a posição do mapa natal do candidato tucano, de sorte a avalizar a previsão: “O sinal mais marcante e auspicioso da sua candidatura se dará entre os dias 1º e 25 de agosto de 2010”.

Serra, contava Veja, “adora ler horóscopo” e tem predileção por Quiroga, que diariamente frequenta nas páginas do Estadão. No dia 21 de abril, o ex-governador de São Paulo há de ter sido tomado por compreensível euforia. Dizia seu astrólogo preferido, sempre na Veja: “Se depender dos astros, José Serra está eleito”. Lembrei-me então da Ilíada, tempo em que os deuses do Olimpo envolviam-se na vida cotidiana dos humanos, inclusive em suas guerras, como a de Troia. Pallas Athena, deusa da sabedoria, protegia descaradamente Ulisses e, portanto, os gregos. Afrodite, interesseira deusa do amor, ficava com Páris, belo mancebo, e portanto com os troianos.

Depois de ler Quiroga na Veja, ganhei a certeza de que tanto Pallas quanto Vênus ficariam com Serra, sem contar com a súbita entrada em cena de Júpiter, ou seja, do próprio Zeus. Pergunto agora aos meus esotéricos botões o que poderia ter ocorrido nas alturas do Olimpo, ou nas esferas celestes, para reverter dramaticamente os vaticínios de Quiroga. A minha surpresa se deve, inclusive, ao fato de que, à época, o candidato tucano, cidadão muito preparado, reconheceu: “Há uma espécie de ciência por trás disso”.

Qual seria o cataclismo cósmico que em escassos 25 dias de agosto assinalou a queda mais vistosa da trajetória serrista nas pesquisas eleitorais? E ainda: se tal teria de ser o período mais auspicioso da campanha, que dirá do resto dos dias a nos separar de 3 de outubro? Onde estarão os deuses, onde se posicionarão os astros? Dos botões fechados em copas exigi uma resposta. Foram lacônicos e incisivos: inferno astral. Quer dizer, Belzebu intrometeu-se.

Claro que a guerra não terminou. A de Troia foi vencida pelos gregos à última hora, por obra do cavalo de madeira inventado por Ulisses. Serra, entretanto, não é o Odisseu. Se fosse, teria adotado, ouso crer, outra estratégia em lugar de concorrer à Presidência. Candidato à reeleição ao governo de São Paulo em vez do seu ex-desafeto Geraldo Alckmin (ex mesmo?), ele seria consagrado na direção da locomotiva. Nada disso. Serra encaixou-se à perfeição no papel que Lula lhe atribuiu e não será surpresa se amargar a derrota no primeiro turno. Esta odisseia poderia ter evitado, tanto mais por não ser um Ulisses. Se fosse, além do mais, não se tornaria, automática e inexoravelmente, candidato da direita, de uma nova e emplumada versão do udenismo mofado.

Que virá depois para ele? E para o PSDB- com suas pretensões de ser a vanguarda da modernidade? E para Fernando Henrique Cardoso, envolto na teia das suas próprias artimanhas, caleidoscópicas e circum-navegadoras? E para a mídia nativa, até há pouco empenhada até o pescoço, não, não, até a raiz dos cabelos, em promover a candidatura de quem atravessou a existência a se preparar para a Presidência da República? E para o instituto de pesquisas Datafolha, que há três semanas registrava um empate entre Serra e Dilma, quando não uma leve vantagem para aquele, e depois galopou na patética tentativa de recuperar o tempo perdido para adequar-se aos números dos demais institutos?

Perguntas para o futuro próximo. Uma leitora de Porto Alegre, Fernanda Moema Santos Souza, teme um lance de desespero dos derrotados, in extremis. Seria uma tentativa de golpe? Pois o Brasil de 2010, e o mundo, não são os de 1964, e os antigos donos do poder, hoje apenas donos de si mesmos, sabem disso, e que sua mídia serve tão somente para estimular os seus próprios rancores e medos.
Ah, sim, que será dos astrólogos? Ao menos, de um deles…

Mino Carta

Mino Carta é diretor de redação de CartaCapital. Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e CartaCapital. Foi diretor de Redação das revistas Senhor e IstoÉ. Criou a Edição de Esportes do jornal O Estado de S. Paulo, criou e dirigiu o Jornal da Tarde. redação@cartacapital.com.br

Postado por Luis Favre
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