Um
historiador do futuro — figura retórica tão útil quanto o Marciano
Hipotético para se olhar o Brasil atual de uma certa distância — terá
duas grandes dificuldades para entender que diabos se passou por aqui
nos últimos anos.
Uma será
explicar o amor ao Lula. A outra será explicar o ódio ao Lula. As duas
coisas transbordaram de qualquer parâmetro racional.
Lula
terminou seu mandato com um índice de aprovação popular inédito, e
odiado na mesma proporção. O amor resistiu a escândalos, gafes, alianças
indefensáveis, uma imprensa hostil e uma oposição ativa. O ódio se
manteve constante até depois do mandato e não se diluiu nem numa natural
simpatia pelo homem doente — o antilulismo feroz não é solidário nem no
câncer.
Nosso historiador talvez
desista de encontrar explicações para essa polarização extrema na
disputa política e sucumba a simplificações sociorromânticas.
Talvez
conclua que Lula teria o amor da maioria pelo seu tipo físico e sua
biografia independentemente de qualquer outra coisa, e seria aprovado
pelos seus semelhantes não importa que governo fizesse. E que o ódio ao
Lula se explicava por nada menos científico ou novo no Brasil do que o
preconceito social, uma repulsa atávica a quem ultrapassa sua classe e
com isto ameaça todo o conceito de classe predestinada.
No caso um torneiro mecânico inculto metido a grande coisa.
No
fundo o que o perplexo historiador do futuro estaria dizendo é que é
impossível confiar em padrões históricos como os que explicam outras
sociedades para nos explicar. Não se trata de reativar a frase que o De
Gaulle nunca disse, sobre nossa falta de seriedade. Somos sérios, sim.
Mas também somos movidos a paixões que sabotam toda coerência histórica.
O
Lula foi um catalisador de paixões, a favor e contra. E o mais
extraordinário e brasileiro disso é que o amor e o ódio não têm nada a
ver com os sucessos ou os fracassos do seu governo. Existem num plano
ahistórico e apolítico de pura devoção ou pura raiva.
Luís Fernando Veríssimo
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