Sob
o argumento da liberdade de expressão, Rede Globo tenta derrubar
classificação indicativa no Supremo; quatro ministros já votaram a
favor; para procurador-geral da República, interesses são legítimos, mas
puramente comerciais
A
TV Globo pode obter vitória em uma velha luta contra o Ministério da
Justiça e sua política de classificação indicativa para a programação de
TV. O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar nesta
quarta-feira uma ação que questiona a limitação do horário em que podem
ser exibidas novelas, séries e filmes, de acordo com sua classificação.
A
ação já havia recebido quatro votos a favor quando o julgamento foi
interrompido por pedido de vistas do ministro Joaquim Barbosa. A Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI) foi movida pelo PDT em 2001 e, em
maio deste ano, a Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e
Televisão), ligada à TV Globo, entrou com pedido de Amicus Curiae, em
que solicita o direito de participar do julgamento por se considerar
capaz de contribuir na discussão.
A
ADI questiona o artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA). O estatuto prevê multa de 20 a 100 salários mínimos para
emissoras que descumprirem as regras da classificação indicativa. A pena
pode ser duplicada em caso de reincidência e a emissora pode ter a
programação suspensa por até dois dias.
A
última portaria do Ministério da Justiça, baseada no ECA, estipula seis
faixas etárias com base no nível de violência, consumo de drogas e sexo
exibidos em programas de audiovisual. Filmes e novelas classificados
como livres podem ser assistidos por pessoas de todas as idades e
exibidos em qualquer horário. Classificados na faixa de 10 anos também
podem ser veiculados em qualquer horário e recomendado para maiores de
10 anos.
A partir de 12 anos, há
veiculação horária: programas recomendados para maiores de 12 anos só
podem ser exibidos a partir de 20h; para maiores de 14 anos, a partir de
21h; 16, depois das 22h; e 18, após as 23h. Uma equipe da Secretaria
Nacional da Justiça é responsável por determinar a classificação dos
produtos de audiovisual, assim como jogos.
Ao
contrário de filmes nacionais e estrangeiros e séries estrangeiras, a
que os classificadores assistem antes do lançamento para determinar a
faixa etária, no caso das novelas e séries nacionais é a própria
emissora que estipula a idade mínima. O Ministério acompanha todos os
capítulos e, quando considera que o estipulado pela TV não condiz com o
conteúdo, pede a readequação ou reclassificação.
É
o caso da novela "Mulheres de Areia", que está sendo reprisada na TV
Globo durante a tarde, horário em que só é possível exibir programas de
classificação livre ou para mais de 10 anos. A Globo teve que usar
recursos tecnológicos para esconder os seios da modelo que faz a
abertura da novela. Em "O Clone", também reprisada este ano às tardes,
cenas de consumo de drogas foram cortadas.
O
problema maior ocorre quando o Ministério da Justiça mexe no horário
nobre e impõe a reclassificação da novela das 8h, como tentou em "Fina
Estampa". O governo chegou a advertir a Globo de que as cenas de
violência e prostituição justificavam reclassificação da novela para 14
anos, mas a Globo apresentou justificativas que fizeram o Ministério
recuar e manter o programa para maiores de 12 anos.
O
relator da matéria no STF, o ministro Antonio Dias Toffoli, votou pelo
fim da vinculação horária, alegando que a classificação indicativa deve
ser um aviso ao usuário e não uma censura ou pena para que não segue as
determinações do Estado. “Buscou a Constituição conferir aos pais o
papel de supervisão efetiva sobre o conteúdo acessível aos filhos”,
disse.
O ministro sugeriu que a
regulação seja feita por emissoras e sociedade civil e que os abusos
sejam tratados na Justiça, caso a caso. Antes do pedido de vistas,
votaram pelo fim da vinculação horária os ministros Luiz Fux, Carmen
Lúcia e Ayres Britto. Não há data para a continuação da análise.
Para
a Abert, a vinculação horária é censura. “A censura é um mal que não
ousa pronunciar seu nome, preferindo travestir-se de expressões de forte
apelo populista”, disse o advogado Gustavo Binenbojm.
Favorável
ao sistema atual de classificação indicativa, o procurador-geral da
República, Roberto Gurgel, argumentou que o ECA não impõe censura, pois
não faz restrição à veiculação de ideias, mas atende ao interesse
público de proteção das crianças e adolescentes. Gurgel atacou as
emissoras ao dizer que o incômodo da vinculação horária não é a
restrição da liberdade de expressão, mas dos interesses comerciais. “É
notório que o embaraço existente são os interesses comerciais,
legítimos, mas comerciais, e não, evidentemente, a sacralidade da
liberdade de expressão”, declarou.
Leia também: STF julga agora a Classificação Indicativa
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