Minha
curiosidade maior era avaliar seu conhecimento dos mecanismos do
mercado financeiro e das estruturas de lavagem de dinheiro.
Amaury
tem um jeito de delegado de polícia, fala alto, joga as ideias de uma
forma meio atrapalhada – embora o livro seja surpreendentemente claro
para a complexidade do tema. Mas conhece profundamente o assunto.
Na
CPI dos Precatórios – que antecedeu a CPI do Banestado - passei um mês
levando tiro de alguns colegas de Brasília ao desnudar as operações de
esquenta-esfria dinheiro e a estratégia adotada por Paulo Maluf. Foi o
primeiro episódio jornalístico a desvendar o submundo das relações
políticas, mercado financeiro, crime organizado.
No
começo entendi os tiros como ciumeira de colegas pela invasão do seu
território por jornalista de fora. Depois, me dei conta que havia um
esquema Maluf coordenando o espírito de manada, no qual embarcaram
colegas sem conhecimento mais aprofundado do tema.
Minhas
colunas estão no livro “O jornalismo dos anos 90”, mostrando como
funcionavam as empresas offshore, o sistema de doleiros no Brasil, as
operações esquenta-esfria na BMF e na Bovespa, as jogadas com títulos
estaduais.
Repassei parte desse
conhecimento ao meu amigo Walter Maierovitch, quando começou a estudar
esse imbricamento mercado-crimes financeiros e, depois, na cerimônia de
lançamento do Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência).
Mesmo
assim, persistiu a dicotomia na cobertura: jornalistas de mercado não
entravam em temas policiais e jornalistas policiais não conheciam temas
financeiros. E a Polícia Federal e o Ministério Público ainda tateavam
esse caminho.
Aos poucos
avançou-se nessa direção. A Sisbin significou um avanço extraordinário
na luta contra o crime organizado. E, no jornalismo, Amaury Ribeiro Jr
acabou sendo a melhor combinação de jornalismo policial com conhecimento
de mercado.
Quem o ouve falar,
meio guturalmente, não percebe, de imediato, sua argúcia e enorme
conhecimento. Além de ter se tornado um especialista nas manobras em
paraísos fiscais, nos esquemas de esquentamento de dinheiro, tem um
enorme discernimento para entender as características de cada personagem
envolvido na trama.
Mapeou um
conjunto de personagens que atuam juntos desde os anos 90, girando em
torno do poder e da influência de José Serra: Riolli, Preciado, Ricardo
Sergio, Verônica Serra, seu marido Alexandre Burgeois. É uma ação
continuada.
Entendeu bem como se
montou o álibi Verônica Serra, uma mocinha estreante em Internet,
naquele fim dos anos 90, com baixíssimo conhecimento sobre tendências,
modelos de negócios, de repente transformada, por matérias plantadas, na
mais bem sucedida executiva da Internet nacional. Criou-se um
personagem com toque de Midas, em um terreno onde os valores são
intangíveis (a Internet) para justificar seu processo de enriquecimento.
Mas todo o dinheiro que produzia vinha do exterior, de empresas
offshore.
Talvez o leitor leigo
não entenda direito o significado desses esquemas offshore em paraísos
fiscais. São utilizados para internalizar dinheiro de quem não quer que a
origem seja rastreada. Nos anos 90, a grande década da corrupção
corporativa, foram utilizados tanto por grandes corporações – como
Citigroup, IBM – para operações de corrupção na América Latina (achando
que com as offshores seriam blindadas em seus países), como por
políticos para receber propinas, traficantes para esquentar recursos
ilícitos.
Ou seja, não há NENHUMA
probabilidade de que o dinheiro que entrou pelas contas de Verônica
provenha de fontes legítimas, formalizadas, de negócios legais.
Ao
mesmo tempo, Amaury mostra como esse tipo de atuação de Serra o levou a
enveredar por terrenos muito mais pesados, os esquemas de arapongagem,
os esquemas na Internet (o livro não chega a abordar), os assassinatos
de reputação de adversários ou meros críticos. É um modo de operação
bastante tipificado na literatura criminal.
No
fundo, o grande pacto de 2005 com a mídia visou dois objetivos para
Serra: um, que não alcançou, o de se tornar presidente da República; o
outro, que conseguiu, a blindagem.
O
comprometimento da velha mídia com ele foi tão amplo, orgânico, que ela
acabou se enredando na própria armadilha. Não pode repercutir as
denúncias de corrupção contra Serra porque afetaria sua própria
credibilidade junto ao universo restrito de leitores que lêem jornais,
mas não chegam ainda à Internet.
Ao
juntar todas as peças do quebra-cabeças e acrescentar documentos
relevantes, Amaury escancara a história recente do país. Fica claro
porque os jornais embarcaram de cabeça na defesa de Daniel Dantas,
Gilmar Mendes e outros personagens que os indispuseram com seus próprios
leitores. (Só não ficou claro porque o PT aceitou transformar a CPI do
Banestado em pizza. Quais os nomes petistas que estavam envolvidos nas
operações?)
E agora? Como
justificar o enorme estardalhaço em torno do avião alugado do Lupi
(independentemente dos demais vícios do personagem) e esconder o
enriquecimento pessoal de um bi-candidato à presidência da República?
Mesmo não havendo repercussão na velha mídia, o estrago está feito.
Serra
será gradativamente largado ao mar, como carga indesejada, aliás da
mesma forma que está ocorrendo com os jornalistas que fizeram parte do
seu esquema.
A CPI dos Precatórios
No
PDF, o livro “O jornalismo dos anos 90”. A partir da página 147,
minhas colunas sobre a CPI dos Precatórios, onde já se revelava todo o
imenso esquema do crime organizado no país, os doleiros, a operação em
Foz do Iguaçu, as concessões do Banco Central etc.
A
ironia da história é que, em determinado momento, consegui convencer o
banqueiro Fábio Nahoum – testa de ferro do Maluf – a passar informações
ao relator da CPI, senador Roberto Requião. Como testemunhas do
encontro, a repórter Mônica Bérgamo – que teve um comportamento
impecável quando Requião e alguns colegas de Brasília tentaram
desqualificar minhas revelações – e o então senador José Serra.
Não podia imaginar que um dos esquemas que operava na região era do próprio Serra.
Luis NassifNo Advivo
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