Grupo Nasper, que comprou 30% da revista,
foi esteio do regime do apartheid na África do Sul e prosperou com a segregação
racial. Altamiro Borges comenta artigo de Renato Pompeu, em Caros
Amigos.
Na sua penúltima edição, a revista Veja estampou
na capa a foto de uma mulher negra, título de eleitor na mão e a manchete
espalhafatosa: “Ela pode decidir a eleição”. A chamada de capa ainda trazia a
maldosa descrição: “Nordestina, 27 anos, educação média, R$ 450 por mês, Gilmara
Cerqueira retrata o eleitor que será o fiel da balança em outubro”.
O intuito evidente da capa e da
reportagem interna era o de estimular o preconceito de classe contra o
presidente Lula, franco favorito nas pesquisas eleitorais entre a população mais
carente. A edição não destoava de tantas outras, nas quais esta publicação da
Editora Abril assume abertamente o papel de palanque da oposição de direita e
destila veneno de nítido conteúdo fascistóide.
Agora, o escritor Renato Pompeu dá
novos elementos que apimentam a discussão sobre a linha editorial racista desta
revista. No artigo “A Abril e o apartheid”, publicado na revista Caros Amigos
que está nas bancas, ele informa que “o grupo de mídia sul-africano Naspers
adquiriu 30% do capital acionário da Editora Abril, que detém 54% do mercado
brasileiro de revistas e 58% das rendas de anúncios em revistas no país. Para
tanto, pagou 422 milhões de dólares. A notícia é de maio e foi publicada nos
principais órgãos da mídia grande do Brasil. Mas não foi dada a devida atenção
ao fato de a Naspers ter sido um dos esteios do regime do apartheid na África do
Sul e ter prosperado com a segregação racial”.
Líderes da segregação racial
A Naspers tem sua origem em 1915,
quando surgiu com o nome de Nasionale Pers, um grupo nacionalista africâner (a
denominação dos sul-africanos de origem holandesa, também conhecidos como
bôeres, que foram derrotados pela Grã-Bretanha na guerra que terminou em 1902).
Este agrupamento lançou o jornal diário Die Burger, que até hoje é líder de
mercado no país. Durante décadas, o grupo, que passou a editar revistas e
livros, esteve estreitamente vinculado ao Partido Nacional, a organização
partidária das elites africâneres que legalizou o detestável e criminoso regime
do apartheid no pós-Segunda Guerra Mundial.
Como relata Renato Pompeu, “dos
quadros da Naspers saíram os três primeiros-ministros do apartheid”. O primeiro
diretor do Die Burger foi D.F. Malan, que comandou o governo da África do Sul de
1948 a 1954 e lançou as bases legais da segregação racial. Já os líderes do
Partido Nacional H.F. Verwoerd e P.W. Botha participaram do Conselho de
Administração da Naspers. Verwoerd, que quando estudante na Alemanha teve
ligações com os nazistas, consolidou o regime do apartheid, a que deu feição
definitiva em seu governo, iniciado em 1958. Durante a sua gestão ocorreram o
massacre de Sharpeville, a proibição do Congresso Nacional Africano (que hoje
governa o país) e a prolongada condenação de Nelson Mandela.
Já P. Botha sustentou o apartheid como
primeiro-ministro, de 1978 a 1984, e depois como presidente, até 1989. “Ele
argumentava, junto ao governo dos Estados Unidos, que o apartheid era necessário
para conter o comunismo em Angola e Moçambique, países vizinhos. Reforçou
militarmente a África do Sul e pediu a colaboração de Israel para desenvolver a
bomba atômica. Ordenou a intervenção de forças especiais sul-africanas na
Namíbia e em Angola”. Durante seu longo governo, a resistência negra na África
do Sul, que cresceu, adquiriu maior radicalidade e conquistou a solidariedade
internacional, foi cruelmente reprimida - como tão bem retrata o filme “Um grito
de liberdade”, do diretor inglês Richard Attenborough (1987).
Os tentáculos do apartheid
Renato Pompeu não perdoa a papel
nefasto da Naspers. “Com a ajuda dos governos do apartheid, dos quais suas
publicações foram porta-vozes oficiosos, ela evoluiu para se tornar o maior
conglomerado da mídia imprensa e eletrônica da África, onde atua em dezenas de
países, tendo estendido também as suas atividades para nações como Hungria,
Grécia, Índia, China e, agora, para o Brasil. Em setembro de 1997, um total de
127 jornalistas da Naspers pediu desculpas em público pela sua atuação durante o
apartheid, em documento dirigido à Comissão da Verdade e da Reconciliação,
encabeçada pelo arcebispo Desmond Tutu. Mas se tratava de empregados, embora
alguns tivessem cargos de direção de jornais e revistas. A própria Naspers,
entretanto, jamais pediu perdão por suas ligações com o apartheid”.
Segundo documentos divulgados pela
própria Naspers, em 31 de dezembro de 2005, a Editora Abril tinha uma dívida
liquida de aproximadamente US$ 500 milhões, com a família Civita detendo 86,2%
das ações e o grupo estadunidense Capital International, 13,8%. A Naspers
adquiriu em maio último todas as ações da empresa ianque, por US$ 177 milhões,
mais US$ 86 milhões em ações da família Civita e outros US$ 159 milhões em
papéis lançados pela Abril. “Com isso, a Naspers ficou com 30% do capital. O
dinheiro injetado, segundo ela, serviria para pagar a maior parte das dividas da
editora”. Isto comprova que o poder deste conglomerado, que cresceu com a
segregação racial, é hoje enorme e assustador na mídia brasileira.
Os interesses alienígenas
Mas as relações alienígenas da revista
Veja não são recentes nem se dão apenas com os racistas da África do Sul. Até
recentemente, ela sofria forte influência na sua linha editorial das corporações
dos EUA. A Capital International, terceiro maior grupo gestor de fundos de
investimentos desta potência imperialista, tinha dois prepostos no Conselho de
Administração do Grupo Abril - Willian Parker e Guilherme Lins. Em julho de
2004, esta agência de especulação financeira havia adquirido 13,8% das ações da
Abril, numa operação viabilizada por uma emenda constitucional sancionada por
FHC em 2002.
A Editora Abril também têm vínculos
com a Cisneros Group, holding controlada por Gustavo Cisneros, um dos principais
mentores do frustrado golpe midiático contra o presidente Hugo Chávez, em abril
de 2002. O inimigo declarado do líder venezuelano é proprietário de um império
que congrega 75 empresas no setor da mídia, espalhadas pela América do Sul, EUA,
Canadá, Espanha e Portugal. Segundo Gustavo Barreto, pesquisador da UFRJ, as
primeiras parcerias da Abril com Cisneros datam de 1995 em torno das
transmissões via satélites. O grupo também é sócio da DirecTV, que já teve
presença acionária da Abril. Desde 2000, os dois grupos se tornaram sócios na
empresa resultante da fusão entre AOL e Time Warner.
Ainda segundo Gustavo Barreto, “a
Editora Abril possui relações com instituições financeiras como o Banco Safra e
a norte-americana JP Morgan - a mesma que calcula o chamado ‘risco-país’, índice
que designa o risco que os investidores correm quando investem no Brasil. Em
outras palavras, ela expressa a percepção do investidor estrangeiro sobre a
capacidade deste país ‘honrar’ os seus compromissos. Estas e outras instituições
financeiras de peso são os debenturistas - detentores das debêntures (títulos da
dívida) - da Editora Abril e de seu principal produto jornalístico. Em suma,
responsáveis pela reestruturação da editora que publica a revista com linha
editorial fortemente pró-mercado e anti-movimentos sociais”.
Um ninho de tucanos
Além de ser controlada por grupos
estrangeiros, a Veja mantém relações estreitas com o PSDB, que é o núcleo
orgânico do capital rentista, e com o PFL, que representa a velha oligarquia
conservadora. Emílio Carazzai, por exemplo, que hoje exerce a função de
vice-presidente de Finanças do Grupo Abril, foi presidente da Caixa Econômica
Federal no governo FHC. Outra tucana influente na família Civita, dona do Grupo
Abril, é Claudia Costin, ministra de FHC responsável pela demissão de servidores
públicos, ex-secretária de Cultura no governo de Geraldo Alckmin e atual
vice-presidente da Fundação Victor Civita.
Não é para menos que a Editora Abril
sempre privilegiou os políticos tucanos. Afora os possíveis apoios “não
contabilizados”, que só uma rigorosa auditoria da Justiça Eleitoral poderia
provar, nas eleições de 2002, ela doou R$ 50,7 mil a dois candidatos do PSDB. O
deputado federal Alberto Goldman, hoje um vestal da ética, recebeu R$ 34,9 mil
da influente família; já o deputado Aloysio Nunes, ex-ministro de FHC, foi
agraciado com R$ 15,8 mil. Ela também depositou R$ 303 mil na conta da DNA
Propaganda, a famosa empresa de Marcos Valério que inaugurou um ilícito esquema
de financiamento eleitoral para Eduardo Azeredo, ex-presidente do
PSDB.
Estes e outros “segredinhos” da
Editora Abril ajudam a entender a linha editorial racista da revista Veja e a
sua postura de opositora radical do governo Lula.
Altamiro Borges é
jornalista
http://www.novae.inf.br/site/modules.php?name=Conteudo&pid=340
Do e-mail enviado por Beatrice.lista.
Do e-mail enviado por Beatrice.lista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário