A primeira reação dos setores conservadores às denúncias contra
Demóstenes Torres foi de silêncio estupefato. Demoraram a perceber o que
estava acontecendo: um de seus heróis tinha sido apanhado com a boca na
botija.
À medida que os detalhes de suas relações com o bicheiro Carlinhos
Cachoeira foram sendo revelados, viram que seria impossível defendê-lo.
Tiveram de reconhecer que alguém em quem haviam apostado nada mais era
que o cúmplice – para dizer o mínimo – de um suspeito – continuando a
dizer o mínimo – de nebulosas transações.
A segunda reação foi apressar-se na condenação. Talvez por raiva do
senador, que os fez de bobos. Devem tê-lo imaginado rindo dos aplausos,
enquanto brindava com os amigos.
Mas a razão principal estava na necessidade de controlar os prejuízos
colaterais. O apodrecimento do senador Demóstenes poderia contaminar um
pedaço grande da política brasileira. Que fosse rapidamente extirpado.
A terceira foi uma clássica manobra de luta ideológica: passar para o
ataque. Se a defesa é insustentável e se não interessa protelar, o jogo
tem de ser mudado.
Era preciso embaralhar as culpas do Demóstenes oposicionista com aquelas
de políticos governistas. E era óbvio com quais: os acusados pelo
“mensalão”. Eles e Demóstenes tinham de ser igualados.
Se esse diversionismo fosse bem-sucedido, o escândalo terminaria por ser
positivo: aumentaria as pressões para que o STF julgasse logo o caso.
Quem conhece o funcionamento do Supremo sabe, no entanto, que a chance
de que ele se pronuncie nos próximos meses é pequena. A complexidade das
questões que suscita, sua sensibilidade, seus efeitos na dinâmica
interna do Tribunal, tudo sugere que o julgamento não vá começar de
imediato.
Essa perspectiva não agrada a quem quer utilizá-lo para atingir o PT e suas lideranças. Por extensão, para fragilizar o governo.
Tudo o que esses setores desejam é que o País fique meses a discutir o
episódio. Sonham recriar os dias em que a TV Câmara disputava audiência,
transmitindo ao vivo as sessões da CPMI dos Correios.
É uma aposta com pequena possibilidade de sucesso. Acreditar que o
retorno do “mensalão” pela via judiciária terá o mesmo efeito na opinião
pública que a sua revelação original é imaginar muito.
Para a vasta maioria das pessoas, será igual a ler o jornal de anteontem. Tudo é conhecido, não há qualquer fato novo.
Sem falar que a discussão no Supremo dificilmente terá a teatralidade do
Legislativo. A leitura de um voto – que pode durar horas – costuma
fazer dormir até os especialistas.
Mas quem não tem cão, caça com gato. Confusa em seu discurso, dividida
por conflitos internos, a oposição partidária avalia que a volta do
assunto às manchetes é uma oportunidade para adquirir novo fôlego. O
mesmo vale para os veículos da mídia conservadora, que acreditam que
assim poderão fazer seu acerto de contas com o “lulopetismo”.
O problema é que o escândalo Demóstenes e o “mensalão” são completamente
diferentes. No primeiro, um político é suspeito de fazer o que os
bandidos fazem. No segundo, alguns políticos são acusados de fazer o que
todos fazem.
Não são, portanto, nem de longe, a mesma coisa.
A maior parte dos que serão julgados pelo “mensalão” fez, apenas, aquilo
que as regras não escritas da política sempre admitiram. E que, por
essa razão, seus colegas praticaram – e continuam a praticar. Ou alguém
acha que, agora, tudo é feito de maneira ortodoxa?
Ninguém os acusa de advocacia de interesses escusos ou de conluio com os
fora da lei. Suspeitar que receberam uma espécie de mesada para votar
com o governo é uma simples história da carochinha: petistas ganhando
para isso?
No fundo, o esforço de igualar o que é flagrantemente diferente, talvez
acabe sendo positivo na hora em que o Supremo julgar. Deixa nítido que o
inaceitável é Demóstenes.
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