Popularidade pode ser uma armadilha para o juiz
O ministro Joaquim Barbosa posou para fotos, foi aplaudido e deu
autógrafos quando votou no primeiro turno das eleições. Ricardo
Lewandowsky foi insultado por um mesário no segundo.
A cobertura midiática do julgamento do Mensalão pode até não ter tido,
como muitos supunham ou desejavam, influência direta no processo
eleitoral. Mas deixou marcas profundas na popularidade dos ministros.
A imprensa não se desincumbiu plenamente da tarefa de informar – inclusive
quanto às divergências naturais entre os membros de turma julgadora. Em
um julgamento como esse, inusitado seria mesmo a unanimidade.
A mídia vitaminou uma cobertura do tipo novela, dando ênfase à distinção
de heróis e vilões. Amplificou bate-bocas e um tratamento seletivo dos
erros e acertos dos ministros. Estimulou estereótipos que, ao final,
pouco ajudaram a compreender a complexidade do caso e o papel de um
juiz.
O dissabor provocado não se restringe apenas ao ministro revisor, ora alçado à condição de inimigo público número um.
É uma armadilha também ao próprio relator. A expectativa de um ministro
herói, “popular”, não se sustenta ao longo do tempo. Nenhum juiz
consegue coincidir todas as suas decisões com a “voz das ruas”. E,
paradoxalmente, se assim o fizer, será um sinal preocupante.
É que a função do magistrado, especialmente na área criminal, tende a
ser contramajoritária – muitas vezes suas decisões necessariamente
desagradam.
Isso porque a democracia não se esgota na vontade da maioria – o que
permitiria aos juízes julgar crimes com base em pesquisas de opinião.
Mas vai além, para assegurar um pacote mínimo de garantias a quem não
faz parte da maioria ou com ela entra em conflito.
Os direitos fundamentais são, na essência, limitações do poder do
Estado, portanto, não raro direitos contra a própria sociedade. Não é
possível, pois, interpretá-los sob a ótica da maioria.
Reproduzir a voz das ruas pode significar, em determinadas situações,
distanciar-se dos limites próprios do estado de direito, que não são
compreendidos ou submetidos ao crivo popular: a acusação certa, o juiz
competente, a amplitude da defesa, a licitude da prova, a fundamentação
da pena.
São matérias que escapam aos desígnios da sociedade, mas de análise compulsória pelos juízes.
Será salutar para as instituições se os brasileiros recobrarem sua
confiança na justiça; mas desastroso se os juízes entenderem que o preço
dessa legitimidade é agradar a imprensa ou a “opinião pública”.
Uma justiça mais próxima do povo tem muito pouco a ver, aliás, com a satisfação de um generalizado anseio repressivo.
A justiça é popular quando amplia seu acesso aos mais vulneráveis,
transforma em realidade direitos que o constituinte reconheceu e ajuda a
reduzir as enormes desigualdades da sociedade. Ou seja, temos um longo
caminho pela frente.
Marcelo Semer No Sem Juízo
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