Eduardo Guimarães
Olhando as ondas humanas que engolfaram as ruas do Brasil no último
domingo, a impressão que se tem é a de que o país é hoje todo de
direita. Porém, não é bem assim. Essas manifestações não contaram com
movimentos populares como de mulheres, homossexuais, negros etc., que,
via de regra, costumam estar presentes em grandes atos públicos.
O site da
BBC Brasil
também contraria essa percepção de que o Brasil “endireitou”. O que
constata a empresa jornalística de matriz britânica é, ipisis-litteris, o
mesmo que foi dito nesta página no
post anterior: tratou-se de um protesto da dita “elite branca”.
Para chegar a essa conclusão, a BBC Brasil fez um apanhado do que
opinaram grandes veículos da imprensa internacional. Vejamos o que foi
dito.
“
Centenas de milhares de brasileiros predominantemente
brancos e de classe média tomaram as ruas ontem [15/3] para pedir o
impeachment da presidente e, alguns, um golpe militar”, publicou o britânico
The Guardian.
Já o espanhol
El País noticiou, na capa do periódico, que “
os protagonistas das marchas pertencem às classes médias mais educadas“.
No insuspeito argentino
Clarín, destacou-se que o deputado federal Paulinho da Força (SD-SP) foi “
o único que levou grande número de manifestantes que não são nem brancos nem ricos para a manifestação“.
Mas o jornal destacou que Paulinho foi hostilizado pelos manifestantes,
pois estes têm ojeriza a trabalhadores e sindicalistas.
Se restasse alguma dúvida do caráter de ultradireita dessa
manifestação, bastaria verificar que os motivos militares com pregações
de golpe de Estado a la 1964 foram aceitos sem maiores problemas nessas
manifestações.
Além disso, segundo o instituto
Datafolha 82% dos participantes desses protestos votaram em Aécio Neves na eleição presidencial do ano passado.
Esses dados são mais do que suficientes para que a presidente Dilma e
seu estafe se convençam de que não adiantará se ajoelharem no altar dos
adversários e, sobremaneira, da ultradireita que manteve este país
prisioneiro durante duas décadas, sem poder se manifestar
eleitoralmente.
O que acontece é que a maioria que elegeu o atual governo está
desmotivada, calada, acuada e, em grande parte, decepcionada, de modo
que não aderiu aos protestos levados a efeito pela Central Única dos
Trabalhadores dois dias antes do protesto reacionário.
Dilma assumiu seu segundo mandato com uma agenda destinada a
pacificar o “outro lado”, ou seja, aqueles que derrotou em 26 de outubro
do ano passado. Não funcionou. Na abertura da atual Legislatura, o
candidato derrotado no segundo turno, Aécio Neves, deu a senha. A grande
mídia, idem. Não estavam – e não estão – dispostos a aceitar o
resultado da eleição.
Dilma também buscou fazer um agrado ao capital ao nomear como
ministro da fazenda um Armínio Fraga “fake”, ou seja, uma cópia “light”
daquele que Aécio anunciou, durante a campanha eleitoral, que seria o
seu ministro da economia.
Dilma chegou a dizer, durante a campanha eleitoral de 2014, que
ajustes na economia seriam necessários, mas não os especificou. E muito
menos explicou que, devido às políticas anticíclicas que adotou para que
os brasileiros não sentissem a crise internacional, as contas públicas
foram se desajustando, o que fez os investidores se retraírem.
Como esta página vem explicando desde o “day after” das eleições, sem
investimentos privados o Brasil não cresce. Ora, as contas públicas,
tanto quanto as privadas, sofrem reajustes.
Assim como aumentam a escola dos filhos ou o aluguel, as despesas do
Estado sofrem reajustes. Se o país não cresce, o governo, assim como o
cidadão, tem que recorrer ou à poupança ou ao “cheque especial”.
Ao longo dos últimos quatro anos, o governo federal tratou de impedir
que a crise internacional afetasse os brasileiros gastando acima do que
arrecadava em impostos e por outros meios.
O resultado é que há uma conta que chega a 100 bilhões de reais
(dívida no “cheque especial”), o que nem chega a ser muito para um país
cujo PIB beira os 5 trilhões e que tem quase 400 bilhões de dólares de
reservas cambiais, mas, para quem decide se vai investir, o fato de o
país estar “no vermelho” inibe essa decisão de investimento.
O fato é que a política econômica de Dilma está correta. É possível
fazer esse ajuste sem grandes sacrifícios. Porém, a presidente não levou
em conta a política. Não imaginou que a oposição e a mídia não
aceitariam o resultado da eleição.
O grande erro de Dilma foi não preparar o povo e as forças políticas
de esquerda que a apoiaram no segundo turno para o ajuste fiscal. Deixou
de lado quem trabalhou por sua reeleição e foi afagar aqueles que a
cada afago respondem com um chute na canela ou, como no domingo, com um
soco no rosto.
Se os protestos de sexta-feira 13 tivessem sido em favor da
presidente e atraíssem a sociedade civil em grande número, teriam
anulado os protestos de domingo e ficaria tudo na mesma. O problema é
que inúmeras entidades de esquerda nem deram as caras e os cidadãos
progressistas, salvo raras exceções, ficaram em casa.
Isso sem falar que o ato da CUT continha críticas ao governo…
Ainda no domingo, com as ruas do país ainda tomadas pelos tarados de
ultradireita que saíram protagonizando cenas que lembram a ascensão do
nazismo na Alemanha, ministros de Dilma deram declarações de “humildade”
e ensaiaram uma tentativa de diálogo com as massas revoltadas. Na
segunda-feira, a própria Dilma pediu compreensão.
Tudo perda de tempo. A presidente colheu mais panelaços enquanto contemporizava na TV.
É impossível contemporizar com aqueles que fizeram bonecos de pano
simulando a presidente da República e seu antecessor e os penduraram
pelos pescoços em viadutos, sugerindo linchamento físico de ambos.
O que resta a Dilma é a esquerda (do centro à extremidade). Esse
setor foi majoritário na eleição de 2014, bastando para reelegê-la –
ainda que parte do eleitorado que reconduziu a presidente ao poder não
tenha ideologia, mas medo de perder tudo que conquistou nos últimos 12
anos.
Em vez de Dilma ficar afagando quem não quer seus afagos e, sim, o
seu sangue – em alguns casos, literalmente – deve tentar – ao menos
tentar – um diálogo com a esquerda.
Claro que o grande problema da esquerda é o mais absoluto
desconhecimento de economia e de administração pública, até porque quem
administra a coisa pública desde de sempre, neste país, é a direita –
seja mais moderada, seja mais radical.
Porém, se Dilma chamar as lideranças de movimentos sociais e partidos
de esquerda para o diálogo, pode tentar conseguir apoio que lhe
permitirá governar e que evitará, para a própria esquerda, que seja
dizimada pelo conclave reacionário de ultradireita que vai se formando.
O que Lula, Dilma e o PT têm que tentar é fazer a esquerda pensar no
“day after”, ou seja, dizer a movimentos sociais, sindicais e partidos
se já refletiram sobre o que sobrevirá caso ela seja derrubada ou mesmo
se tiver que governar por quatro anos como uma marionete, cedendo a tudo
que a ultradireita neoliberal quiser.
Mais: há que propor uma agenda progressista a partidos, sindicatos,
movimentos sociais e mesmo aos cidadãos com pensamento de esquerda. Uma
agenda a ser implementada conforme a situação político-econômica se
estabilizar.
O que vai exposto acima não chega a ser o melhor dos planos, mas, no
entender deste blogueiro, é o que há para hoje. Antes de começar
redecorar a casa incendiada, há que apagar o incêndio. E fazer afagos na
direita, no momento, equivale a jogar gasolina nesse incêndio. Quanto
mais Dilma falar para essa gente, mais furiosa ela vai ficar.
.