A análise dos jornais diários é sempre uma caixinha de surpresas quando
se tem tanta informação rolando nas redes sociais. A Folha de hoje
estampa denúncia de que os prefeitos de 11 cidades demitirão médicos
locais para que cheguem os profissionais do Programa Mais Médicos. A
denúncia é grave.
Uma leitura apurada da matéria leva por entendimentos diversos. Título
de capa aponta para a certeza de que haverá demissões “de médicos
locais para receber os de Dilma”, o subtítulo coloca que 11 cidades
“decidem trocar profissionais para ficar com os do programa Mais
Médicos, pagos pela União”. Pois bem. A denúncia chama a atenção. O
texto da chamada afirma que prefeituras do Norte e Nordeste começaram a
trocar médicos contratados pelo Mais Médicos. Ponto. E que prefeitos e
secretários de saúde “dizem que a mudança é vantajosa”, pois os
profissionais são custeados pelo governo federal enquanto os médicos
locais são pagos pelas prefeituras, com salários que chegam a R$ 35 mil.
Outro atrativo é a certeza de que o novo profissional irá trabalhar
por três anos, pelo menos.
A personagem que dá corpo à denúncia, a médica Junice Moreira, diz que
foi comunicada da demissão, afirmando que “disseram que eu tinha que
dar lugar a um cubano”. O prefeito em questão, da cidade de Sapeaçu
(BA), Jonival Lucas (PTB), afirmou que ela está saindo por não cumprir a
carga horária e não por conta da adesão ao programa.
Na reportagem que abre o caderno Cotidiano, a Folha afirma que
identificou 11 cidades de quatro estados diferentes que pretendem fazer
demissões para receber os profissionais do Mais Médicos. Prefeitos
reclamam da alta rotatividade e de altos salários que precisam pagar
para conseguir segurar profissionais. Além disso, aponta para a falta de
infraestrutura como um fator que desanima os médicos locais. O impacto
dos salários em pequenas prefeituras fica evidenciado na matéria.
Na segunda página do mesmo caderno, vem a reportagem-denúncia de que a
médica Junice estaria sendo demitida para dar lugar a "um cubano". Essa
é a manchete da página, e o subtítulo reafirma o título. Começa com a
triste notícia de que hoje, em Murici, povoado de Sapeaçu, será o último
dia de trabalho da médica mineira, e sua demissão teria sido anunciada
pela Coofsaúde, cooperativa que faz o pagamento dos médicos que ali
trabalham por meio de contrato com a prefeitura. A cooperativa confirmou
a saída da médica e que, em seu lugar, entrará um médico do programa. A
brasileira se disse surpreendida pela notícia “pois não tinha feito
nada errado”. E vai discorrendo sobre o caso, dizendo que é “adorada”
pela população local.
Ouvido, o prefeito afirmou que a demissão não tem nada a ver com o
programa, que já estavam procurando outro profissional para colocar no
lugar da doutora Junice e o problema alegado para que a troca ocorresse
era de que ela não estaria cumprindo a carga horário estabelecida,
sendo que o substituto será um profissional brasileiro que já atuou
naquela região. E sim, ele afirma que o programa traz benefícios aos
municípios, pois desonera a folha de pagamento.
Em texto com uma coluna, a Folha fala dos outros municípios que irão
trocar médicos locais por estrangeiros. Fala de Barbalha, no Ceará, que
substituirá dois contratados por outros do Mais Médicos. De Camaragibe
(CE), a informação de que o município tem direito a quatro médicos pelo
programa, então demitirá dois para receber outros profissionais, e os
dois restantes deixarão de receber pelo município para receber pelo
governo federal. Não deixa claro se esses médicos locais, que receberão
pelo governo, terão salário rebaixado. Isso é uma imposição? O jornal
não explica esse ponto, e fica uma denúncia comprometida, já que o
Programa Mais Médicos tem profissionais inscritos, por interesse
próprio, e somente os que passaram pelo crivo da inscrição poderão ser
indicados aos municípios. Assim fica a pergunta: como os médicos
receberão do governo ,sem participação no programa via inscrição e
escolha de município?
E mais, neste pequeno texto, outra informação importante: a de que,
além da economia, aponta-se a obrigação de cumprir horários como outro
benefício, já que os médicos serão acompanhados pelo governo federal.
E o outro lado, com Padilha afirmando que os quadros das prefeituras
são monitorados para evitar que esse tipo de problema, apontado na
matéria, ocorra. “Esse programa é Mais Médicos, não troca de médicos”,
afirmou o ministro em audiência no dia 14, na Câmara.
Um infográfico, em todo o centro da página, cujo título é “Substituição
de Mão de Obra”, coloca os 11 municípios no mapa. Mas também traz
outras informações: nos quatro estados o número total de médicos, o
número de médicos por mil habitantes e os médicos previstos na primeira
etapa do programa. E mais: traz uma relação médico/mil habitantes em
outros países, o que acaba por endossar a necessidade do programa para
essas regiões.
E as redes sociais com isso?
Nem bem a Folha trazia sua manchete com a denúncia, começou a circular
no Facebook a denúncia de que a denúncia do jornal seria vazia. Segundo
Vania Grossi, usuária da rede social, a Dra Junice teria três
empregos, o que daria uma jornada semanal de 124 horas. A usuária
afirma, também, que esse tipo de problema, de médico burlar o
atendimento com vários empregos concomitantes, está acontecendo em sua
cidade, e que eles estão sendo acionados para devolver o dinheiro
recebido ao município.
As redes sociais dirão se a Folha tem ou não razão. Basta dar um
tempinho para que as denúncias sobre essa denúncia sejam confirmadas ou
refutadas. Em tempos de facilidade de informação, a Folha deveria ter
se escudado com o contracheque da denunciante, para não dar espaço ao
clamor das redes sociais.
Acompanhemos, pois!
Veja a denúncia da usuária do Facebook no final desta matéria.
Outros temas
O Estadão não deu nenhuma chamada na capa sobre o Programa Mais
Médicos. Os dois jornais paulistas deram destaque para Donadon, que se
livrou da cassação, com foco na reação dos deputados, que querem agora o
voto aberto em cassações. O tema se une ao do julgamento dos recursos
dos acusados no "mensalão", que irão para votação de cassação, ou não,
segundo as novas normas que conseguirem aprovar, e querem acelerar a
votação de projeto. A Folha deu os ausentes por partidos, um infográfico
com algumas fotos e o nome de cada um.
Os dois jornais deram com destaque menor na capa, mas com grande
destaque interno, as últimas do STF, com rejeição de recurso e
manutenção de pena de José Dirceu, do PT.
No Estadão, Toffoli ainda é destaque, com repercussão da reportagem de
ontem sobre empréstimos que teria feito em banco com ações sob sua
relatoria.
Os dois jornais estampam o fato de que já somos 200 milhões de
brasileiros, segundo dados do IBGE. Em quatro décadas a população
brasileira dobrou, mas a tendência é de que o ritmo de crescimento
populacional seja menor nos próximos anos.
Lourdes Nassif
No Jornal GGN
* * *
Denúncia contra Mais Médicos tem marca do PSDB
A fonte principal de uma denúncia
contra o programa que visa levar médicos a regiões remotas do País,
publicada na Folha, é filiada ao PSDB; Desirée de Sá Barreto,
secretária-adjunta de Saúde de Barbalho (CE), afirmou ao jornal que
médicos brasileiros serão substituídos por cubanos, uma vez que, assim,
a prefeitura deixará de gastar com os salários dos profissionais; em
resposta, o Ministério da Saúde afirmou que as prefeituras que agirem
desse modo serão excluídos do Mais Médicos; com a entrevista de Desirée
à Folha, criou-se a percepção falsa de que médicos estrangeiros estão
tomando postos de brasileiros
Uma denúncia contra o programa Mais Médicos, divulgada nesta sexta-feira
pela Folha de S.Paulo, tem o carimbo do PSDB. O jornal informou ter
identificado 11 cidades de quatro Estados que pretendem demitir médicos
contratados pela Prefeitura a fim de substituí-los por profissionais do
programa do governo federal, cujos salários serão totalmente bancados
pela União. Desta forma, fariam economia nos cofres municipais, trocando
o que seriam seus gastos por custos para o governo federal. O problema é
que a principal fonte da reportagem é do ninho tucano.
"Eles só serão dispensados quando os novos se apresentarem, para poder
fazer a permuta", disse à Folha a secretária-adjunta de Saúde do
município de Barbalha, no Ceará, Desirée de Sá Barreto. Desirée, que
também é presidente do Conselho Municipal de Saúde, é filiada ao PSDB,
segundo o TRE-CE, que possui seus dados de quando foi eleita vereadora
na cidade. Sua proposta é apoiada pelo secretário da Saúde de Barbalha,
Caio Melo, que declarou: "Se fosse possível, botaríamos todos [pelo]
Mais Médicos, porque não teríamos o custo do salário mensal dos
profissionais".
A prática foi considerada inaceitável pelo Ministério da Saúde, que
garantiu que a cidade que fizer esse tipo de troca de médicos será
excluída do programa. "Os municípios que insistirem nessa questão [de
substituição] nós vamos visitar e, se observada essa prática, os médicos
serão remanejados e esses municípios serão excluídos do programa",
disse hoje o secretário de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do
Ministério da Saúde, Mozart Sales, após a publicação da denúncia.
Como se vê, o PSDB não apenas é um forte crítico do programa lançado no
início de julho pela presidente Dilma Rousseff, que visa levar médicos
brasileiros e estrangeiros a regiões pobres do País, como aparentemente
pretende sabotar a iniciativa, ajudando a alimentar a percepção de que
médicos estrangeiros estarão tomando vagas de brasileiros.