Na segunda-feira (5/12), à hora do jantar, o sagrado ritual foi truncado: a telenovela Aquele beijo não foi interrompida pelo Jornal Nacional e continuou rolando com outros ingredientes até desaguar na seguinte, Fina Estampa.
No meio algumas irrelevâncias sobre o estado do mundo e a aguardada
estreia da nova modalidade televisiva, o glamour da notícia, a ternura
da informação.
Estava no ar, o
“telejornal da família brasileira”, a sobremesa espiritual perfeita para
o jantar de uma sociedade amena, sossegada, onde tudo se ajeita no
capítulo final. A tocante cerimônia do adeus da deslumbrante
apresentadora Fátima Bernardes e a apresentação da sucessora não menos
deslumbrante, Patrícia Poeta, devidamente mediada pelo chefe, o
irresistível William Bonner, foi uma obra-prima de sentimentalismo com
um único defeito. Ninguém conseguiu chorar. Compreensível: com tais
salários e num universo profissional ameaçado por uma descabida e
estúpida onda de demissões, só um idiota verteria lágrimas.
Lances e ciclos
A
pieguice correu solta, desinibida, porque havia uma semana a mídia em
uníssono decidira entregar-se a esse maravilhoso conto de fadas.
Antigamente, quando ainda existia um mínimo de singularidade, Folha de S.Paulo ou Veja
se permitiam quebrar o encanto marqueteiro e ofereciam no varejo
salutares doses de ceticismo e gozação. Isso acabou: a Mídia Associada
deste século 21 gosta e desgosta por atacado. Surpreendente neste
contexto, o primoroso comentário de Maurício Stycer no UOL, logo em seguida à serenata. Não foi reproduzido na Folha de segunda-feira (6).
A
imprensa brasileira (nela compreendida o telejornalismo, o
radiojornalismo e o jornalismo-ponto-com) está oferecendo à sociedade
brasileira no máximo 40% do que as congêneres do mundo desenvolvido
oferecem aos seus públicos. Por isso são desenvolvidos – e não apenas
pelos respectivos PIBs.
Dos três
ou quatro quilos de papel colocados na porta deste observador no domingo
pela manhã (compreendidos os três jornalões ditos nacionais e os três
semanários ditos noticiosos, deles excluído IstoÉ) salva-se muito pouco para fazer pensar ou oferecer leitura edificante.
Isso
se manifesta até na cobertura esportiva. Nenhum jornal paulistano teve a
coragem de afirmar que o final do campeonato foi pífio – é arriscado
contestar a euforia corintiana. Como o Globo precisa penetrar no mercado
paulista, não teve coragem para dizer que o melhor desempenho da
temporada foi o do Vasco.
A
exuberância inútil está visível até nos anúncios: o inchaço da indústria
imobiliária em todos os cadernos desvenda uma economia turbinada por
lances e não por ciclos estáveis. Nossa mídia não sabe levar ao
consumidor novos hábitos e novos produtos, não abre espaço para novas
indústrias, prefere lamber as botas dos seus dirigentes nos cadernos de
negócios. E inventa modismos que não se sustentam.
Sem fim
A
onda de demissões que aflige nossas redações nada tem a ver com a crise
econômica internacional. As empresas jornalísticas descobriram que o
leitor exige pouco, contenta-se com pouco e, por isso, resolveram
formalizar este pouco cortando pessoal, cortando qualidade e, sobretudo,
tônus informativo.
Enquanto a TV mergulha de cabeça na fantasia populista de cortejar a classe C, a mídia impressa entrega-se ao jornalismo ersatz, sucedâneo inferior. Muito inferior. E como todos o praticam sem diferenciações, não há termo de comparação.
Bem-vinda, Patrícia; até já, Fátima. Esta novela não acaba.
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