Do Viomundo 10 de dezembro de 2011 às 23:05
por Luiz Carlos Azenha
O livro do Amaury Ribeiro Jr. traz de volta ao debate público algumas questões. Uma delas diz respeito às privatizações. Depois do trabalho seminal de Aloysio Biondi, O Brasil Privatizado, um best seller praticamente ignorado pela mídia, Privataria Tucana será certamente o primeiro livro escrito em linguagem suficientemente popular para ser best seller, lógico, dentro dos padrões brasileiros.
A mídia corporativa não trata do assunto de forma aprofundada, já que foi promotora e beneficiária das privatizações e é o motor acionado sempre que é preciso legitimar as privatizações disfarçadas em curso, seja no uso das praias do Rio de Janeiro para eventos privados, seja na entrega de rodovias construídas com dinheiro público para empresas “explorarem” com altíssimas taxas de retorno. A ambiguidade do “explorar” serve ao nosso argumento, muito embora seja impróprio dizer “explorar estradas”, quando os concessionários exploram motoristas, passageiros e os que compram mercadorias que transitam por elas. Ou você acha mesmo que aquele frete da sua geladeira quem pagou foi a transportadora?
Como sugeriu o comentarista de um blog — leio tantos que nem sempre guardo a fonte –, o campo é amplo para que jornalistas e pesquisadores registrem, avaliem e reflitam sobre a privatização da Vale (doação, diriam muitos) e das empresas de energia elétrica, por exemplo. Tudo indica que teremos uma sequência do livro do Amaury, para tratar especificamente da relação entre os grupos de mídia e as privatizações. O jornalista diz ter documentos que comprovam que toda a dívida milionária de uma emissora de TV com a Light foi cancelada logo depois de soar o martelo privatizante.
De nossa parte, nasceu a ideia de desenvolver um banco de informações — reportagens, textos acadêmicos, entrevistas — sobre as privatizações que, como já disse acima, continuam a acontecer, agora de forma disfarçada. A quem pertence o aquífero Guarani? Quem lucra com o uso da água? Quais os benefícios públicos?
Como vimos acima, quando se trata de privatizações a mídia deixou de defender o interesse público, já que é cúmplice. Resta ao público se organizar para defender seus interesses, usando para isso as redes sociais, produzindo e disseminando conhecimento, “formando maiorias”. Nós, blogueiros, podemos ajudar a organizar isso.
Outro tema que o livro do Amaury traz para o centro do debate é o que se refere à lavagem de dinheiro. Aqui, mais uma vez, o debate público está prejudicado pelo fato de que o setor financeiro tem grande poder de persua$ão sobre a sociedade (via mídia) e os governos.
O dinheiro da altíssima corrupção se mistura com o de muitos outros crimes nas lavanderias espalhadas pelo mundo. Em seu estilo deixa-que-eu-chuto, Amaury definiu ‘elisão fiscal’ (chique, não é mesmo?) como picaretagem ilustrada dos que fizeram pós-graduação em lavagem de dinheiro em Harvard. Eu nunca soube que o dinheiro sujo estacionado nas Bahamas fosse grana do décimo-terceiro da dona Maria, lá da Vila Cardia, em Bauru, se é que vocês me entendem.
Em tempos de crise econômica, quando os governos buscam formar desesperadas para aumentar a arrecadação, tudo indica que vai se aprofundar o debate sobre formas de combater a evasão fiscal e as lavanderias. Mas é um assunto muito mais complexo do que parece, à primeira vista.
A melhor coisa que li a respeito foi o livro Treasure Islands, Tax Havens and the Men that Stole de World, de Nicholas Shaxson, em que ele começa argumentando que não se deve usar “paraíso fiscal”, mas refúgio ou santuário. Revela com clareza que os maiores refúgios não são as ilhas do Caribe mas, pela ordem, Estados Unidos, Reino Unido e Suiça (sim, sim, ele quis dizer os grandes centros financeiros de Wall Street e City de Londres).
Shaxson conheceu este mundo por dentro, como jornalista da revista Economist e do Financial Times. Escreveu outro livro maravilhoso, Poisoned Wells: The Dirty Politics of African Oil. É sempre gratificante ler alguém que pensa fora do quadrado e Shaxson argumenta convincentemente que aqueles terríveis tiranos da África — ah, como o racismo se desloca — seriam impossíveis sem a cumplicidade do sistema financeiro e dos políticos ocidentais que financiam campanhas com o dinheiro do petróleo alheio.
Assunto chato? Bem, é melhor você repensar, considerando que Shaxson acha que os refúgios fiscais são uma ameaça à democracia!
Leia, aqui, a tradução que publicamos em abril de uma resenha da London Review of Books sobre o livro de Shaxson, que registra a confluência entre os interesses do filho de Kadafi e da London School of Economics (tão brega quanto isso, só os tucanos tirando os sapatos em Harvard).
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