Miguel do Rosário
Às vezes sinto como se estivesse preso num mundinho fantástico onde todos os dias acontecesse a mesma coisa. Eu acordo, leio as mesmas notícias, os mesmos editoriais, deparo-me com as mesmas artimanhas chinfrins. É um troço enlouquecedor. Foi assim que me senti ontem, quando me deparei com esses ataques do Globo, na capa e na terceira página:E que continuaram hoje, sábado, na coluna de Merval:
Eu nem dou tanta bola pro Toffoli, que considero um covarde por condenar Genoíno sem provas, num esforço inútil, como se viu, para se livrar das mordidas midiáticas. Mas é realmente incrível o cinismo desse povo. Nesse julgamento, o que mais houve foram duas medidas. O mesmo STF que permitiu o desmembramento do julgamento do mensalão tucano não fez a mesma coisa para o mensalão petista. O mesmo Ministério Público que não citou os deputados e outras autoridades (incluindo aí o Gilmar Mendes) que receberam dinheiro do valerioduto tucano, fez exatamente o oposto para o valerioduto petista. O mesmo Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello que andaram soltando bandidos do calibre de Daniel Dantas e Roger Abdelmassih, com base em preciosismos jurídicos, condenaram alegremente os “mensaleiros”, pondo de lado seus próprios históricos de “garantistas”.
O que mais se viu nesse julgamento são dois pesos e duas medidas, mas o Globo direciona toda a sua verve golpista apenas para um dos ministros do STF, o jovem e confuso Toffoli. Esperemos que Toffoli aprenda, ao menos, com essas surras que tem levado na mídia, que esta não admite meia-obediência. Ou obedece caninamente, ou nada. E mesmo quem obedece, só é respeitado enquanto obedece. No primeiro momento em que errar o pinico, vira alvo de novo, como aliás sabemos, já de antemão, que acontecerá com Joaquim Barbosa.
Todo dia ela faz tudo sempre igual. Hoje, uma terceira página completamente dedicada a uma diatribe antipetista.
Enfim, essas repetições, com perdão do termo, enchem o saco. Mas quem mandou ser analista de mídia, né?
Pensando bem, o Globo tem pleno direito e liberdade de fazer isso. O que é errado não é isso, e sim o poderio descomunal que uma mesma família acumula em virtude de possuir um conglomerado de mídia: tv, rádio, portal, jornal, revistas, editora, produtora de filmes, etc. E ainda recebe centenas de milhões de reais de propaganda institucional do mesmo governo que detona sistematicamente.
Sobre a verba institucional, também se entende que a grande mídia receba tanto dinheiro via publicidade oficial, visto que ela possui a maior circulação. É um sistema lógico, mas com a mesma lógica que existia no absolutismo francês e no totalitarismo soviético. É antidemocrático, porque incentiva a concentração da mídia. Ou seja, o Estado brasileiro, além de não ter leis específicas para combater a concentração e os abusos da mídia, ainda colabora para piorar o cenário.
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O artigo em destaque de hoje é de Mauro Santayana, sobre o julgamento da Ação Penal 470, no qual o jornalista lembra que, desde a revolução francesa, os julgamentos políticos devem se dar no parlamento, e não nos tribunais. A oposição e a mídia conservadora estão achando que obtiveram uma grande vitória política, por terem conseguido seu objetivo: pressionar os minstros do STF a condenarem os réus mesmo sem provas. O que fizeram, porém, representou mais uma retumbante vitória de Pirro, que significará uma derrota acachapante mais tarde, porque tiveram que se lambuzar, e lambuzar o STF, com esse golpismo sujo e malandro que parece estar virando outra sinistra tendência latino-americana: o golpe branco, aplicado pelo judiciário, cujos membros, em geral, pertencem a setores conservadores dos estratos economicamente dominantes.
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Entretanto, o mesmo sentimento de cansaço que sinto ao me deparar, diariamente, com a mesma ladainha e as mesmas distorções, corresponde ao poder de persuasão da grande mídia. Ela martela uma coisa até a gente desistir de pensar criticamente, por cansaço, por comodidade, e até mesmo por segurança: ninguém quer perder um emprego por causa de José Dirceu, por exemplo. Chomsky falava desse poder enorme da mídia de produzir consensos, mesmo que frágeis. O Globo noticia uma coisa, o Financial Times repercute, e o Globo no dia seguinte reproduz a notícia do Financial Times como se fosse uma chancela. Daí publicam-se apenas as cartinhas que dão apoio à linha do jornal. É assustador.
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O único anteparo da sociedade à essa tendência totalitária da mídia corporativa é a democracia. Por isso mesmo é tão irônico que uma empresa como o Globo, que se consolidou à sombra do totalitarismo, e que se notabiliza pela falta de pluralismo político em seus espaços e que exerce um controle ideológico violentíssimo sobre seus empregados (Zé de Abreu é uma exceção, porque é artista, e um artista consagrado), chame o PT, uma legenda nascida da luta contra a ditadura, e que floresceu, e vem se tornando mais forte ao sol da democracia – que chame enfim o PT de autoritário. O PT pode ter todos os problemas do mundo, inclusive tem pecado de vez em quando no que tange ao processo de democracia interna, mas mesmo nesse quesito é bem superior a outros partidos, e sua ascensão acontece em virtude da preferência democrática do eleitor. Nesse ponto, identifica-se o lado bom do julgamento do mensalão, da maneira que se deu, realizado simultaneamente ao processo eleitoral. Ficou bem claro, para todos, que a força do PT e de outras legendas sem muito espaço na grande mídia, tem de vir das urnas, as quais estão mais vacinadas contra a mídia do que em outros tempos.
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O PT entendeu bem o recado, e o documento que soltou, atacando a politização do ST, foi bem enfático, atraindo, naturalmente, a fúria da mídia neocon.
Claro, não digo que há inteligência apenas de um lado. Até porque há sempre muita gente boa que cai na conversinha da mídia. Ninguém lê o Globo impunemente. Não há arma mais letal do que um sofismo capcioso, persistente, repetido, com ajuda de infográficos, charges, fotos, vídeos, reforçado por reportagens de rádio e TV. Ainda mais considerando-se que a mídia, espertamente, nem sempre procura atacar seus adversários apenas pelo aspecto ideológico, pois isso requereria argumentações polêmicas. O discurso moral é o melhor, por causa da sua universalidade. Não atacam o PT por ele ser um partido identificado com políticas públicas voltadas ao setor mais pobre. Atacam com um discurso ético. Só não conseguem ser mais efetivos porque a oposição no Brasil, sempre que se disponibiliza alguma informação imparcial sobre corrupção no país, impreterivelmente lidera o ranking.
Nas últimas eleições, por exemplo, soubemos que o PSDB foi a legenda com mais integrantes barrados pela Ficha Limpa. São os políticos tucanos também que atuam mais violentamente contra qualquer crítica: Beto Richa, Serra, Aécio, Marconi Perillo perseguem implacavelmente qualquer jornalista ou blogueiro que ouse uma crítica mais contundente ou sistemática. Mas o PT é que é autoritário e contra a liberdade de imprensa…
Enfim, temos ao menos um avanço. A direção do PT parece ter aceitado, embora tardiamente, que a mídia conservadora é, de fato, o principal partido de oposição. Este é um problema mundial, aliás, porque a doutrina democrática jamais teve tempo de se ajustar à emergência desse novo Leviatã, que é o quarto poder, a imprensa.
É um poder essencial à democracia. É essencial, igualmente, que seja um poder independente dos outros poderes, sobretudo do governo. Mas não pode ser independente da democracia em si, ou seja, a imprensa também deve estar sujeita à lógica democrática, submetendo-se a soberania popular e à Constituição.
A Carta Magna prevê o direito de cada um à dignidade, e por isso a imprensa deve se submeter ao cuidado para não violentar a dignidade de nenhum cidadão, seja ele um mendigo, seja um herói da luta contra a ditadura.
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