Uma boa verdade para começar 2013
Paulo Moreira Leite
Paulo Moreira Leite
Ao dar posse a José Genoíno, o Congresso lembrou aos brasileiros que a
Constituição está em vigor. A decisão se baseia no artigo 55, aquele que
define que cabe exclusivamente a Câmara cassar o mandato de deputados,
por maioria simples e voto secreto. (O mesmo artigo define regras
idênticas para o caso de senadores).
O julgamento do mensalão encerrou-se com uma frase muito repetida por
ministros. Eles diziam que a Constituição é aquilo que o “Supremo diz
que ela é.” Essa definição de caráter absoluto resume uma visão de que o
Supremo é um poder acima dos demais, afirmação que contraria o
pensamento de OIiver Holmes, o juiz da Suprema Corte americana que
disse, em 1905, que a “lei é aquilo que o tribunal diz que ela é.”
Holmes fez essa afirmação numa situação específica, quando uma maioria
conservadora na Suprema Corte conseguiu impedir leis que limitassem a
jornada de trabalho a um máximo de 60 horas. Em minoria, Holmes lembrou
que embora a Constituição americana não atribuísse ao governo a função
de definir a jornada de trabalho, ela aceitava que o Estado tinha o
dever de proteger a saúde da população – e que a jornada era uma forma
de se fazer isso.
Mas em várias oportunidades Holmes deixou claro que não cabia ao
tribunal “fazer” a Justiça como bem a entendesse. Conforme explicam
estudiosos de sua obra, Holmes gostava de explicar aos jovens advogados
que um tribunal apenas “aplica” a lei.
É um raciocínio coerente, quando se trata de um artigo como o 55,
escrito, votado e aprovado por ampla maioria de constituintes, em 1988.
Não cabe, sequer, levantar artigos de leis infraconstitucionais, como
dizem os juristas, porque a Constituição se superpõe a eles, como eu
aprendi num curso chamado ginásio, obrigatório para adolescentes de
minha geração.
E é um ensinamento importante, em particular quando se recorda que a
Constituição brasileira foi escrita por parlamentares eleitos em 1986,
que criou o mais amplo regime de liberdades da nossa história.
É por isso que não há o que fazer diante do artigo 55, a não ser
garantir que seja cumprido – da forma que os parlamentares acharem
melhor. Estamos no mundo da política, onde apenas os representantes
eleitos do povo exercem a prerrogativa de cassar ou não o mandato de
seus pares. Há várias possibilidades.
Os deputados podem fazer um acordo para garantir que o assunto seja
debatido na Casa – e cada um vote como quiser, assegurado, como diz a
lei, o direito a ampla defesa. Também podem fazer um acordo apenas para
garantir o direito a defesa na tribuna de cada condenado – e por ampla
maioria, negociada anteriormente, decidir sua cassação. Ou, pelo
contrário, podem decidir rejeitar o pedido. O importante é sempre
assegurar a regra democrática de que o Congresso é um poder soberano e
não pode ser arranhado como expressão da vontade popular.
Em qualquer caso, não há surpresa nenhuma diante da reação de Marco
Maia, presidente da Câmara que se recusou a submeter-se a uma decisão
que contraria a Constituição. As manifestações públicas de Henrique
Eduardo Alves, provável sucessor de Maia, vão na mesma direção.
Nos dois casos, o Congresso apenas reafirma o artigo número 1 da
Constituição, onde se diz que “todo pode emana do povo, que o exerce
através de seus representantes eleitos.”
É bom começar o ano relembrando uma verdade tão simples e tão bela, concorda?
Nenhum comentário:
Postar um comentário