Em 2004, uma danceteria pegou fogo e deixou 194 mortos. Todos os condenados foram presos
A tragédia na boate Kiss, em Santa Maria, que deixou 231 mortos e pelo
menos 106 feridos, tem um antecedente tristemente similar na Argentina.
Em 30 de dezembro de 2004, a República Cromañón, em Buenos Aires,
pegou fogo durante um show da banda Callejeros. Como no caso da Kiss, a
causa foi um despropositado espetáculo de pirotecnia: um sinalizador
atingiu o teto e o material inflamável se encarregou de realizar o
estrago. Foram 194 mortos e ao menos 1432 feridos.
É cedo para apontar os culpados pelo que houve na Kiss. As tevês, no
entanto, já estavam crucificando os seguranças, que teriam impedido os
clientes de sair antes de pagar a comanda. Também culparam as comandas,
aliás.
Vai ser uma longa batalha, mas o caso da Argentina é didático em
relação à rapidez da justiça, principalmente para os nossos padrões, e à
incansável mobilização dos familiares das vítimas. Tênis dos jovens
foram pendurados nos fios de alta tensão do bairro Once, conferindo uma
beleza prosaica e mórbida ao lugar. Protestos na Plaza de Mayo,
passeatas, memoriais, atos, missas e sites como quenoserepita.com.ar
pressionaram as instituições sem cessar. As coisas não demoraram muito
a acontecer: em 2006, o então prefeito de Buenos Aires, Aníbal Ibarra,
foi destituído. Dezenas de casas noturnas foram interditadas. A rua
onde ficava a Cromañón, calle Bartolomé Mitre, ganhou um santuário e
foi fechada (por causa de problemas no trânsito, ela foi reaberta há
poucas semanas, mas o santuário continua em pé).
No começo deste ano, enfim, todos os condenados pelo incêndio foram
presos, acusados do delito de incêndio culposo seguido de morte. Entre
eles, o antigo líder da banda, Patricio Santos Fontanet, assim como o
saxofonista, o baixista, os guitarristas e o cenógrafo. O diretor geral
de fiscalização e controle da cidade, Gustavo Torres, também rodou. O
empresário do grupo foi preso, bem como o gerente da boate e seu braço
direito, além de diversas autoridades responsáveis pela fiscalização dos
nightclubes portenhos. As penas variam entre 10 anos e 9 meses (para o
gerente Omár Chaban) e 3 anos (para os músicos).
Levou oito anos para que fosse feita justiça na Argentina. No caso de
Santa Maria, a luta dos pais e mães que perderam seus filhos está só
começando. Mas, se eles querem que algo aconteça, vale dar uma olhada no
que os vizinhos conquistaram com sangue, suor, lágrimas e panelaços.
A rua Once |
Kiko Nogueira
No Diário do Centro do Mundo
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