29/01/2015
Luis Nassif
Está no TRF3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) a mais contundente acusação ao governo Geraldo Alckmin pelo descaso com que conduziu a questão da água de São Paulo.
Trata-se da Ação Civil Pública Ambiental, com pedido de tutela antecipada – isto é, de permitir decisões antes do julgamento final – proposta pelo Ministério Público Federal de São Paulo e pelo Ministério Público Estadual.
Não é ainda uma ação de responsabilização civil ou criminal. Por enquanto, é apenas uma iniciativa drástica para enfrentar a mais grave crise hídrica da história do Estado. Mas o acúmulo de provas e evidências levantado não deixará outra alternativa do que responsabilizar respectivamente o governador Geraldo Alckmin, o presidente da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), os dirigentes da Agência Nacional de Água (ANA) e do Departamento de Água e Energia Elétrica (Daee) pela crise hídrica do Estado assim como suas consequências futuras.
Em 6 de agosto de 2004, uma portaria da ANA assegurou dez anos a mais de concessão a Sabesp, definindo as vazões médias mensais de captação para fins de abastecimento urbano da Região Metropolitana de São Paulo e medidas que deveriam ser tomadas para reduzir a vulnerabilidade do sistema Cantareira.
Nenhuma das obras previstas na outorga foi feita. O que se seguiu foi uma gestão de alto risco na Cantareira. A outorga do sistema à Sabesp impôs a obrigatoriedade da observância das chamadas “Curvas de Aversão a Risco” (CAR). Permite definir limites de retirada de água do sistema de forma segura, sem comprometer os 24 meses subsequentes.de forma a manter uma reserva estratégica ou volume mínimo ao final do período hidrológico seco.
Diz a ação: “Se seguidas corretamente, essas regras teriam prevenido o agravamento da crise hídrica no Sistema Cantareira, possibilitando um nível de segurança de 95% podendo chegar a 99%”.
Essas curvas foram elaboradas para uma reserva estratégica de 5% (limite mínimo a ser mantido nos reservatórios) e um cenário hidrológico similar ao do biênio 1953/1954. Correspondem a um nível mínimo de segurança a ser obedecido.
Muitas vezes a ANA autorizou vazões maiores que os “Limites de Vazão da Retirada” determinadas pelas curvas de aversão ao risco.
Para driblar as restrições impostas pela “Curva de Aversão ao Risco”, a ANA e o Daee apelaram para uma metodologia não reconhecida cientificamente, de nome “Banco de Águas”, utilizada apenas no Brasil. Funciona como um banco de horas. Teoricamente, se a Sabesp não retira a quantidade de água autorizada, fica com um “crédito” para ser utilizado a qualquer momento, independentemente da situação das bacias. Além de rejeitar a nova metodologia, os promotores identificaram “gritantes disparidades” entre o tratamento dispensado à Sabesp e à bacia do rio Piracicaba.
Essa jabuticaba metodológica impediu a aplicação da CAR. Pior: desde 2012 a Sabesp e o governo do estado já sabiam dos problemas climáticos. Na época, já se identificava como a pior estiagem registrada desde 1930, com vazão dos afluentes inferior às vazões mínimas registradas em 1953. E nada se fez, em um episódio de irresponsabilidade coletiva.
A Sabesp começou a agir apenas a partir de março de 2014, “de forma insuficiente e tardia”, segundo os promotores. Em 7 de julho de 2014, outra aberração da ANA e do Daee, uma resolução conjunta substituindo as regras e condições previstas na outorga de 2004. Afastaram os Comitês de Bacias e passaram a empalmar, sozinhos, as decisões. As atribuições do Comitê de Bacias são normas constitucionais. Ambos os órgãos alegaram uma crise hídrica – que eles próprios provocaram – para afastar os comitês.
“Paralelamente, foram os dois anos nos quais se obteve os maiores lucros líquidos da história da Companhia e de distribuição de dividendos, valendo observar que, neste período, o Sistema Cantareira foi responsável por 73,2% da receita bruta operacional da empresa, denotando a superexploração daquele sistema produtor que não mais conseguiu se recuperar diante da gravidade do atual evento climático de escassez”, diz a ação.
No seu relatório de gestão de janeiro de 2014, a Sabesp admitia que “todas as estratégias foram adotadas para concomitantemente no intuito de evitar a adoção do rodízio, pelo constrangimento que esta solução causa à população. No entanto, o rodízio deve ser planejado em face da situação crítica de armazenamento de água nos mananciais do sistema Cantareira […] para evitar o colapso de seus mananciais”.
“Todavia”, constata a ação dos MPs, “o rodízio acabou sendo descartado pela alta gerência da Sabesp e pelo GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO (sic, em caixa alta), que, assumindo o risco do colapso de seus mananciais, deixou de adotar medidas de contingências efetivas, restringindo-se apenas a um “programa de incentivo”.
Os links das ações são os seguintes: Ação MPF/MPE Cantareira, Ação Cantareira Liminar e Suspensão da Liminar.
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