Na mesma nota em que contesta
notícias dos jornais de que doleiro poderia ganhar de R$ 10 milhões a R$
20 milhões de comissão, Ministério Público dá pistas de que familiares
do doleiro podem terminar premiados por suas delações
por Helena Sthephanowitz
publicado
26/01/2015 17:24,
última modificação
26/01/2015 17:32
Sérgio Lima/Folhapress
Com as condições do acordo, pelo menos para a ex-mulher de Youssef, o crime dele compensou financeiramente
O Ministério Público Federal (MPF), muitas vezes
acostumado a abrir investigações a partir de "reporcagens", sentiu na
própria pele o efeito das mentiras dos jornais Folha de S. Paulo e O Globo. Que publicaram em manchetes que Alberto Youssef poderia ganhar "comissão" de R$ 10 milhões (na manchete da Folha) a R$ 20 milhões (segundo O Globo).
Os jornais afirmaram que o MPF daria ao doleiro 2% de comissão sobre o
dinheiro sujo que ele ajudasse a recuperar. A sensação de quem leu foi
de que o crime compensa para inescrupulosos e o desfecho penal, em vez
de dissuadir o cometimento desse tipo de crime, serviria para
incentivar.
Em nota à imprensa, o MPF correu atrás do prejuízo afirmando que os jornais publicaram uma mentira. O doleiro perderá todos os bens adquiridos após 2003, na forma de multa e ressarcimento, e não ganhará dinheiro nenhum dos cofres públicos, segundo a nota. O prêmio de 2% sobre dinheiro que vier a ser reavido por causa da delação é abatimento sobre a multa revertido para as filhas do doleiro, e limitado ao valor de um imóvel no bairro de São Cristóvão, Rio de Janeiro.
Se os jornais mentiram, a nota emitida pelo MPF também está mal explicada.
Primeiro diz que todos os bens comprados após 2003 serão tomados a título de multa e ressarcimento. Mas o texto oficial divulgado do acordo da delação premiada não é bem assim. Está escrito com todas as letras na página 8 que um apartamento de luxo em São Paulo, hoje avaliado em R$ 4 milhões, será liberado para a ex-esposa do doleiro, independentemente de qualquer recuperação de dinheiro. Denúncia do próprio MPF apresentada contra Youssef em dezembro de 2014 confirma que este apartamento foi adquirido em 2009 (página 97), portanto após 2003, contradizendo a nota. Para piorar, afirma que foi "adquirido com o produto de delitos previamente perpetrados por Youssef", nas palavras do MPF.
Ora, se o imóvel foi adquirido com dinheiro de delitos, o doleiro teria de perdê-lo para ressarcimento, e não deixá-lo "de herança" para a ex-mulher.
E, mais grave, nos termos do acordo, a condição para a ex-mulher ficar dona do apartamento milionário é renunciar a reclamar qualquer bem de Youssef tomado pelo poder Judiciário. Ora, fica parecendo mais o que se chama "dar um cala a boca", quando o Ministério Público precisa que as pessoas envolvidas falem. Não há o menor sentido em negociar um "cala-boca" que só favorece Youssef, colocando-o no controle do que e quem delatar, sem risco de cair em contradições, ao silenciar a ex-mulher.
A única justificativa para a ex-mulher receber alguma recompensa seria pelo menos ela própria delatar informações escondidas que fossem úteis, valiosas e importantes para as investigações. Os próprios autos de uma disputa patrimonial de divórcio litigioso reclamando bens adquiridos de forma ilícita trariam muito mais informações úteis às investigações.
Desse jeito, pelo menos para ela, o crime dele compensou financeiramente.
Outro imóvel em Londrina (PR), onde residia oficialmente Youssef, também de alto padrão, será liberado para as filhas nos termos do acordo. Até a conclusão deste texto não conseguimos apurar data e circunstâncias da compra.
O terceiro imóvel, ou melhor, imóveis, já que se trata de sobrados e um terreno, todos com numeração diferente, no Campo de São Cristóvão, Rio de Janeiro, é que causaram a balbúrdia nos jornalões.
A princípio, os imóveis serão tomados pelo Judiciário como multa e irão a leilão ao fim do processo. Mas, pelos termos do acordo, Youssef poderá retomar parte ou todo o valor arrecadado no leilão para suas filhas, através da "comissão" de 2% sobre os valores que forem recuperados em decorrência da delação, até atingir, no máximo, o valor da venda do imóvel.
Nesse caso, os jornalões, apesar de apurar mal os fatos e omitirem os limites do acordo, não estão de todo errados no conceito de que há recompensa, sim, e ela será de no mínimo R$ 4 milhões, considerando o "cala-boca" para a ex-mulher, podendo chegar a mais de R$ 7 milhões. Afinal, segundo a denúncia de 2014 do MPF (páginas 137 e 138), tais imóveis no Rio de Janeiro foram comprados por R$ 3 milhões em 2011 pela empresa GFD Investimentos, que nem sequer estava em nome de Youssef, mas era dele de fato, e era usada para lavar dinheiro, segundo o MPF.
Criminosos pegos com a boca na botija ficarem com bens milionários frutos dos delitos, com a benção do Judiciário, mesmo em um processo de colaboração para recuperar valores maiores, é algo perigoso, pois pode funcionar como mau exemplo para a sociedade. Em vez de desestimular pessoas inescrupulosas a cometer crimes, pode estimular o aumento da corrupção, ao verem consequências brandas e até um pote de ouro bem real no fim do arco-íris do processo.
Da Rede Brasil Atual.
Em nota à imprensa, o MPF correu atrás do prejuízo afirmando que os jornais publicaram uma mentira. O doleiro perderá todos os bens adquiridos após 2003, na forma de multa e ressarcimento, e não ganhará dinheiro nenhum dos cofres públicos, segundo a nota. O prêmio de 2% sobre dinheiro que vier a ser reavido por causa da delação é abatimento sobre a multa revertido para as filhas do doleiro, e limitado ao valor de um imóvel no bairro de São Cristóvão, Rio de Janeiro.
Se os jornais mentiram, a nota emitida pelo MPF também está mal explicada.
Primeiro diz que todos os bens comprados após 2003 serão tomados a título de multa e ressarcimento. Mas o texto oficial divulgado do acordo da delação premiada não é bem assim. Está escrito com todas as letras na página 8 que um apartamento de luxo em São Paulo, hoje avaliado em R$ 4 milhões, será liberado para a ex-esposa do doleiro, independentemente de qualquer recuperação de dinheiro. Denúncia do próprio MPF apresentada contra Youssef em dezembro de 2014 confirma que este apartamento foi adquirido em 2009 (página 97), portanto após 2003, contradizendo a nota. Para piorar, afirma que foi "adquirido com o produto de delitos previamente perpetrados por Youssef", nas palavras do MPF.
Ora, se o imóvel foi adquirido com dinheiro de delitos, o doleiro teria de perdê-lo para ressarcimento, e não deixá-lo "de herança" para a ex-mulher.
E, mais grave, nos termos do acordo, a condição para a ex-mulher ficar dona do apartamento milionário é renunciar a reclamar qualquer bem de Youssef tomado pelo poder Judiciário. Ora, fica parecendo mais o que se chama "dar um cala a boca", quando o Ministério Público precisa que as pessoas envolvidas falem. Não há o menor sentido em negociar um "cala-boca" que só favorece Youssef, colocando-o no controle do que e quem delatar, sem risco de cair em contradições, ao silenciar a ex-mulher.
A única justificativa para a ex-mulher receber alguma recompensa seria pelo menos ela própria delatar informações escondidas que fossem úteis, valiosas e importantes para as investigações. Os próprios autos de uma disputa patrimonial de divórcio litigioso reclamando bens adquiridos de forma ilícita trariam muito mais informações úteis às investigações.
Desse jeito, pelo menos para ela, o crime dele compensou financeiramente.
Outro imóvel em Londrina (PR), onde residia oficialmente Youssef, também de alto padrão, será liberado para as filhas nos termos do acordo. Até a conclusão deste texto não conseguimos apurar data e circunstâncias da compra.
O terceiro imóvel, ou melhor, imóveis, já que se trata de sobrados e um terreno, todos com numeração diferente, no Campo de São Cristóvão, Rio de Janeiro, é que causaram a balbúrdia nos jornalões.
A princípio, os imóveis serão tomados pelo Judiciário como multa e irão a leilão ao fim do processo. Mas, pelos termos do acordo, Youssef poderá retomar parte ou todo o valor arrecadado no leilão para suas filhas, através da "comissão" de 2% sobre os valores que forem recuperados em decorrência da delação, até atingir, no máximo, o valor da venda do imóvel.
Nesse caso, os jornalões, apesar de apurar mal os fatos e omitirem os limites do acordo, não estão de todo errados no conceito de que há recompensa, sim, e ela será de no mínimo R$ 4 milhões, considerando o "cala-boca" para a ex-mulher, podendo chegar a mais de R$ 7 milhões. Afinal, segundo a denúncia de 2014 do MPF (páginas 137 e 138), tais imóveis no Rio de Janeiro foram comprados por R$ 3 milhões em 2011 pela empresa GFD Investimentos, que nem sequer estava em nome de Youssef, mas era dele de fato, e era usada para lavar dinheiro, segundo o MPF.
Criminosos pegos com a boca na botija ficarem com bens milionários frutos dos delitos, com a benção do Judiciário, mesmo em um processo de colaboração para recuperar valores maiores, é algo perigoso, pois pode funcionar como mau exemplo para a sociedade. Em vez de desestimular pessoas inescrupulosas a cometer crimes, pode estimular o aumento da corrupção, ao verem consequências brandas e até um pote de ouro bem real no fim do arco-íris do processo.
Da Rede Brasil Atual.
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