Guardadas as diferenças, parte da história do carioca Marcos Archer, executado a tiros no último sábado na Indonésia, lembra a do protagonista do drama “O Expresso da Meia Noite”, de 1978, estrelado por Brad Davis, no papel de Billy Hayes, estudante norte-americano que, após visita à Turquia, decide levar pacotes de haxixe presos sob a roupa com fita adesiva.
O plano acaba por não dar certo e Hayes é preso no aeroporto de Istambul, de forma bastante similar à do brasileiro Archer. Dali em diante, a vida do personagem real levado à telona dos anos 1970 pelo diretor Alan Parker, transforma-se em pesadelo, pois é brutalmente espancado e lançado numa degradante prisão turca.
Só que a história verídica do estudante Billy Hayes termina melhor do que a de Archer. Apesar de ter sido condenado a trinta anos de cárcere e não à morte, a prisão turca é o inferno na terra. Lá, antes de conseguir fugir, é submetido a torturas excruciantes que o levaram à beira da loucura. Confira, abaixo, o clipe de um dos maiores sucessos de bilheteria de Hollywood.
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À época da estreia nos cinemas, no final dos anos 1970, muito se discutiu sobre se o que fez o estudante-playboy norte-americano Hayes permitia que fosse retratado como mocinho, como fez o diretor Alan Parker. Afinal, o jovem estava traficando drogas. Porém, o filme mostra que a desproporção da pena em relação ao crime cometido acabou por redimir o jovem tolo que desafiou um regime de força em um país em que direitos humanos não valiam nada.
Estranhamente, agora está acontecendo a mesma coisa. O moralismo dos EUA dos anos 1970 vige intensamente no Brasil, nos dias que correm. E uma reportagem de 2005, feita cerca de um ano após a prisão de Archer, intitulada Na Balada da Morte, ajudou a erigir esse clima.
Renan Antunes de Oliveira é um jornalista brasileiro tarimbado. Ganhou até o prêmio Esso, em uma disputa controvertida em que houve acusações de “manipulação”, tendo recebido o prêmio sob vaias e aplausos simultâneos. Naquele ano (2005), foi a Jacarta entrevistar o carioca Archer, agora morto, e Rodrigo Gularte, paranaense, também condenado à morte na Indonésia por tráfico de drogas, mas que ainda está vivo – por pouco tempo.
Oliveira destacou-se por traçar perfis de figuras controversas como a do blogueiro “Mosquito”, do Blog “Tijoladas do Mosquito”, quem, em 2010, convulsionou o primeiro encontro nacional de “blogueiros progressistas”, do qual participou este que escreve.
Mosquito, ou Amilton Alexandre, foi encontrado morto em seu apartamento dois anos depois, enforcado em um lençol. O caso jamais foi esclarecido completamente. Mas Oliveira retratou a história sob seu aspecto público, mostrando a personalidade belicosa do “Mosquito” e os conflitos em que se meteu e que podem ter feito alguém “suicidá-lo”, conforme a reportagem O triste fim do irreverente terrorista da internet.
Mas foi o perfil de Felipe Klein, filho de um político importante, que levou OIliveira ao auge da carreira, na reportagem A Tragédia de Felipe Klein, e lhe deu o prêmio Esso. Trata-se da história de um jovem igualmente rebelde, assim como Archer e Mosquito, que fez modificações bizarras no próprio corpo e cultuava demônios, até morrer de forma tão bizarra quanto viveu, aparentemente morto pelo próprio pai.
A reportagem que jogou boa parte da opinião pública contra Archer é mais uma da série de reportagens-perfis que Oliveira produziu para o Jornal Já, em que é figura central. As três reportagens citadas retratam pessoas do mesmo perfil, meio vilãs, meio vítimas de si mesmas. É um padrão do jornalista.
Quanto das histórias que Oliveira conta pode ser levado ao pé da letra, é difícil saber. São relatos feitos sob a ótica do jornalista e sempre com cores fortes pintadas nos seus personagens. Nas três reportagens citadas são apresentadas variações de um mesmo personagem amoral e autodestrutivo, ao mesmo tempo…
Os perfis de Archer e de Gularte, feitos em 2005, há uma década, mostram dois homens que não cresceram e que transformaram suas vidas em uma contínua balada.
Archer, segundo a entrevista feita por Oliveira, fazia troça de sua então recente prisão na Indonésia. Confessava-se “traficante” e dizia que poderia ter ganhado mais de 3 milhões de dólares com 13 quilos de cocaína, uma informação jamais checada e que os autos de seu processo desmentem, conforme informações recentes, que dão conta de que, oficialmente, recebeu 10 mil dólares para transportar a droga, uma versão bem mais verossímil para uma pequena quantidade de veneno.
O próprio Oliveira, porém, em sua matéria chega a chamar Archer de “mula”, um “laranja”, alguém que serve para levar pequenas quantidades de droga de país para país. Porém, ao retratar a história do “traficante” bobão que levou um pouco de droga mal escondida em uma asa delta e acabou preso como um pato, mostrou que as acusações que fez a si mesmo podem ter sido ditas para “contar vantagem”.
Essa versão combina mais com a que o blogueiro obteve com duas pessoas, um homem e uma mulher, que conhecem a família de Marco Archer, mas não querem se identificar.
O homem, amigo da família, diz que Archer era apenas um bobão, viciado em drogas, que viveu na barra da saia da mãe até os quarenta e tantos anos, quando foi preso em uma trapalhada que cometeu ao transportar uma pequena quantidade de droga. A mulher disse pouco, porque quer consultar o marido antes de dar mais detalhes. Mas, do pouco que falou, foi possível depreender que é isso mesmo.
Seja como for, a imagem de “chefão da máfia” que a reportagem de dez anos atrás construiu para Archer, não é exata. Além disso, todos os que o conheceram afirmam que nunca se meteu com violência.
Archer, como traficante, deve ter sido muito incompetente, pois dependeu da mãe para lhe proporcionar regalias na prisão indonésia. Fosse o que ficou parecendo na reportagem de 2005, não dependeria de ninguém. O que o amigo da família dele disse ao Blog foi que não tinha nada, pois seu trabalho como “mula” só lhe rendeu o suficiente para torrar em viagens e baladas.
Os erros que esses e outros personagens de Oliveira cometeram, são bastante similares. Archer, vê-se, é apenas mais um autodestrutivo que o estilo de reportagem do jornalista retrata. Mas cometeu crime, claro. Só que pagou por isso com uma década e pouco à espera da morte. Afinal, quando Oliveira o entrevistou, sua situação estava para começar a piorar e suas regalias, a sumir.
A história de Archer não teve um final feliz como a do Expresso da Meia Noite. Ele deixou de sorrir à toa havia muito tempo. Onze anos esperando o dia de uma morte violenta, a tiros, são um castigo terrível, talvez pior do que a própria pena de morte. O cárcere, pois, deveria ter sido suficiente. Matá-lo foi um ato de barbárie que precisa ser repudiado pelo Brasil e pelo mundo.
Todavia, o que assusta é que a Indonésia e seu regime corrupto, com suas punições desproporcionais e as condições de vida degradantes do povo, está virando quase que um modelo para uma parcela dos brasileiros que afirma “invejar” pena de morte para traficantes enquanto o mundo desenvolvido trata de descriminalizar as drogas.
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