Afonso Capelas Jr., DCM
"Paulistas e paulistanos estão perdendo a compostura. No início da semana moradores de um condomínio modesto da zona Sul da cidade foram flagrados por vizinhos aproveitando uma chuva torrencial para sair à rua e tomar banho.
Em entrevista a uma rádio uma vizinha declarou, estarrecida, que eles não dispõem de caixas d’água no prédio. Em outro ponto da capital muitos captavam a água que jorrava aos borbotões no meio fio da calçada para abastecer suas casas.
O cenário sombrio de uma possível seca generalizada na Região Metropolitana tem feito com que a população fique atormentada e com muito medo do que vem pela frente.
Não à toa, uma pesquisa apresentada no início do ano deu conta de que mais da metade dos paulistanos iria embora da cidade, se pudesse. O estudo chamado Você está satisfeito com a qualidade de vida na cidade de São Paulo? Foi encomendado pela organização não governamental Rede Nossa São Paulo, em conjunto com a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio).
Os pesquisadores foram ouvir 1 512 pessoas com mais de 16 anos em todas as regiões da cidade entre os dias 24 de novembro e 8 de dezembro do ano passado.
Uma das perguntas foi exatamente esta: “Gostaria de saber se, caso pudesse, o(a) sr(a) sairia de São Paulo para viver em outra cidade, ou não sairia de São Paulo?” Mais da metade – exatos 57% dos paulistanos – disse sim categoricamente.
Claro, no período em que a pesquisa foi a campo a crise hídrica já estava instalada. Tanto que perguntas sobre o tema foram incluídas. Detectou-se que para 42% da população os principais responsáveis pela crise no abastecimento de água na cidade são a falta de planejamento do governo do estado e o próprio governador.
Mais: 82% consideram que há grande risco da cidade ficar sem água por longos períodos nos próximos meses. E 68% já tiveram problemas com o abastecimento de água.
O que assusta os paulistanos não se resume tão-somente a ver as torneiras de suas casas secas. É o efeito dominó que a falta d’água detonará em todos os setores da vida cotidiana urbana.
Num rápido exercício de imaginação, a primeira consequência do triste fim do Sistema Cantareira seria haver um colapso nos demais reservatórios. Certamente eles suprirão as regiões antes abastecidas pelo Cantareira. Não darão conta.
Se um rodízio do tipo 5 x 2 – cinco dias sem e dois dias com água – sugerido pela Sabesp for mesmo adotado como ficará a indústria, o comércio, as escolas e creches, os hospitais, as delegacias, a padaria da esquina?
Nesse estado de coisas, estabelecimentos terão que reduzir os horários de funcionamento. Muitos funcionários ficarão sem emprego, alunos sem aula, mães sem onde deixar seus filhos, com creches fechadas.
Com menos água os agricultores já estão perfurando poços para irrigar suas plantações. Como resultado teremos em breve frutas, legumes e verduras muito mais caros nas feiras e supermercados. O custo de vida vai subir.
Mais e mais poços ainda serão perfurados ameaçando seriamente a quantidade e qualidade das águas dos lençóis freáticos.
Caminhões-pipa serão tratados como artigo de luxo disponível apenas para uma camada privilegiada da população. Água mineral será comercializada a peso de ouro, com os estoques definhando.
As periferias já desassistidas sofrerão ainda mais sem água potável, sem saneamento básico, sem qualquer cuidado. O perigo de uma proliferação de doenças causadas pelo consumo de água contaminada estará rondando.
Haverá manifestações, revolta, caos. Regiões antes abastecidas pelo Sistema Cantareira serão desocupadas. A debandada da cidade, como apontou a pesquisa da Rede Nossa São Paulo, pode concretizar-se.
Se congestionamentos, filas, poluição e transportes públicos ineficientes torram a paciência de qualquer cidadão imagine o que terá de suportar diante da desordem de dias assim.
Não se trata de profetizar um futuro catastrófico e pessimista, digno de Ensaio sobre a cegueira, de Saramago. Mas a realidade está aí. É um quadro nada improvável, caso não despenque um dilúvio bíblico sobre o Cantareira nas próximas semanas.
Parece que só o governo paulista não enxerga e deixou tudo chegar a tal ponto. Perdeu a grande chance de – um ano atrás – admitir a situação, escancará-la publicamente, traçar planos de emergência para os próximos meses difíceis, reflorestar e proteger a região dos mananciais, fazer um pacto com a população pelo racionamento de água e conquistar a pronta adesão de todos.
Óbvio, os cidadãos certamente iriam compreender e formar uma corrente de solidariedade em nome da sobrevivência. Todos fariam esforços para economizar água e adaptar-se a uma nova realidade.
Se há males que vêm para o bem, quem sabe agora caia a ficha dos eleitores. Quem dera passem repugnar a mentalidade tacanha de boa parte dos políticos brasileiros: aqueles que cultuam a vaidade e o imediatismo e escondem a verdade para ganhar votos. E passem, então, a escolher os que simpatizam com a honestidade, o bom planejamento, a sustentabilidade. Com o bem comum.
O governador de São Paulo deixou para trás a oportunidade de demonstrar que tem essas qualidades. Ao contrário, provou que passa longe de ser um estadista assim. Agora ficamos nós inseguros diante de um futuro incerto. Perdendo a paz e a compostura."
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