quinta-feira, 21 de agosto de 2014

A história secreta de Míriam Leitão


Ela
Simplesmente extraordinária a história de Míriam Leitão na ditadura.

Uma menina de 19 anos ser trancada nua, num aposento escuro, na companhia de uma jiboia.

Grávida, além do mais.

Que mentes pervertidas poderiam imaginar uma tortura dessas?

Míriam nunca contara essa história, e acabou, tantos anos depois, convencida a fazê-lo pelo jornalista Luís Cláudio Cunha.

Míriam, codinome Amélia, era uma jovem idealista que militava no PC do B.

Tão impressionante quanto a tortura a que ela foi submetida, ou quase tão, foi a reação de muitas pessoas, sobretudo na esquerda.

É como se a cobra angariasse mais simpatia que Míriam.

Tantos anos na Globo — jornal, rádio, tevê, internet — acabaram fazendo de Míriam Leitão um dos jornalistas mais detestados pela esquerda.

Uma pergunta ocorreu a várias pessoas: como alguém torturado tão barbaramente pela ditadura pôde se tornar um símbolo de uma empresa tão vinculada à ditadura como a Globo?

Síndrome de Estocolmo?

A resposta é complexa.

Para jornalistas da geração de Míriam, não havia tantas alternativas de carreira assim.

No Rio, especificamente, de onde ela é, você tinha o Jornal do Brasil e o Globo. Depois, com o colapso do JB, só o Globo.

Não citei a TV Globo por uma razão. Na época em que Míriam começou a carreira, no final dos anos 1970, televisão era vista como um lugar para jornalistas de segunda linha, que não sabiam escrever.

Míriam tentou a vida em São Paulo. No começo da década de 1980, trabalhou na Veja.

Fomos, por algum tempo, colegas de redação, ela na área de política, eu na de economia.

Míriam, na Veja, encontrou outra cobra: Mário Sérgio Conti, seu chefe.

Sobreviveu à primeira, mas não à segunda.

Uma das cenas que mais me marcaram na carreira foi a forma como ela foi demitida por Mário Sérgio.

Ele esperou que ela terminasse a última tarefa, alta madrugada de sexta para sábado, esgotada e descomposta, e então a executou.

Não sei se havia razões técnicas para a demissão. Naqueles dias, era preciso ter um texto apurado para sobreviver na Veja, e desconheço se era o caso de Míriam.

Mas ainda assim. Foi uma crueldade mandá-la embora naquela hora e daquele jeito. O senso de decência determinava que se esperasse Míriam se recuperar da exaustão do fechamento para dar-lhe a má notícia.

De volta ao Rio, havia para a jovem Míriam dois possíveis empregos. O JB já agonizava, e a Globo passava a ser virtualmente o único lugar para um jornalista fazer carreira no Rio.

Míriam acabou indo para o Globo. Quando você tem que pagar contas, seu rigor em relação ao empregador não é tanta assim.

A versatilidade ajudou-a. Na Globo Míriam, além do jornal, se deu bem no rádio e na televisão. Chamavam-na lá de “Multimíriam”.

Pouco a pouco, até por sua presença em tantas mídias,  ela foi-se identificando com a Globo.

Isso acabaria transformando-a num dos alvos preferidos da esquerda, para a qual Míriam virou sinônimo de previsões apocalípticas econômicas.

Nos últimos meses, novas Mírians tomaram as ruas em protestos nos quais você via cartazes que acusavam a Globo de sonegadora e pediam que ela mostrasse o Darf.

Jornalistas da Globo eram hostilizados nas ruas, a ponto de terem que esconder o logotipo da emissora nos microfones.

O que as novas Mírians diriam à Míriam original se a encontrassem num protesto?

O que a Míriam original diria às novas Mírians?

Não tenho a menor ideia. Mas que seria divertido ver isso acontecer, seria.

Paulo Nogueira
No DCM

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