Josely Pontes Ramos é promotora de saúde do Ministério Público e, em
2010, ficou conhecida nacionalmente por entrar com ação civil para
investigar os gastos com saúde durante o mandato do ex-governador Aécio
Neves. O foco de investigação eram R$ 3,5 bilhões repassados à Copasa
entre 2003 e 2008. Em meio à procura de provas, a promotora descobriu
que a Companhia não recebia o dinheiro.
A promotora, assim como os críticos ao governo de Aécio Neves, concorda
que existe uma interpretação ambígua em relação à verba. O dinheiro
pode ter tido uma destinação ilegal, classificada como corrupção. Ou
pode nunca ter existido. Ambas as hipóteses são amostras de uma fraude
contábil, acusação que pode levar Aécio Neves a perder seus direitos
políticos. O procurador-geral de Justiça recentemente extinguiu o
processo, mas a promotora afirma que vai lutar para que a ação seja
julgada. “Foram 3 bilhões e 500 milhões desviados da saúde em seis
anos. Nós estamos falando de 12 anos da mesma prática em Minas Gerais”,
afirma, reforçando que a prática se mantém no governo Anastasia.
Promotora, como você decidiu entrar com ação para investigar as despesas de saúde do governo Aécio Neves?
Chegaram na promotoria, inicialmente, os pareceres do Tribunal de
Contas a respeito da saúde, com a notícia de que o estado enviava
recursos para a Copasa, em um volume muito grande. Isso já vinha
acontecendo desde 2003. Então, busquei as Leis Orçamentárias de 2003 a
2008 e no recurso da saúde apareceu a Copasa realmente abocanhando
quase a metade, e às vezes a metade, do dinheiro da saúde. Então, eu
notifiquei o presidente da Copasa para vir à promotoria e ele não veio.
Notifiquei a contadora-geral do Estado, porque é ela que lança os
valores mencionados ali [na prestação de contas]. A contadora-geral
também não veio. Eu não tinha dúvida em nenhum momento que o dinheiro
saía do fundo estadual de saúde e ia para a Copasa. O que era feito
dele lá? Era o que eu não sabia.
Como você chegou até a investigação do governo estadual?
Eu fiquei diante de um impasse porque, para o Tribunal de Contas, o
recurso saía do Estado e ia para a Copasa. Mas nos balanços da Companhia
e nos relatórios de auditoria independente não apareciam esses
valores. Em agosto de 2010, recebi as contestações do Estado e da
Copasa dizendo que nunca o estado transferiu recurso para a empresa.
Aquilo era investimento que a Copasa fez, com capital próprio, no
saneamento básico, que foram lançados no orçamento e na prestação de
contas do Estado, o que não pode ser feito. A contabilidade pública tem
lei, a Lei 4320/64. Lá se diz o que pode constar e não pode constar.
Eles feriram a regra da prestação de contas e da Lei Orçamentária. Com
base nisso, eu fiz a ação de improbidade contra o Aécio Neves e a Maria
da Conceição, em dezembro de 2010.
O procurador-geral da justiça alega
que você, como promotora, não podia abrir ação contra um governador e,
por isso, quer extinguir a ação contra Aécio Neves e Maria da
Conceição. Qual a sua opinião?
Eu jamais investiguei sequer o secretário estadual de saúde. Quando o
procurador-geral e a própria defesa [de Aécio Neves e da contadora-geral
do Estado] falam que o governador foi investigado e o Tribunal de
Justiça acata, isso sequer tem correlação com a norma constitucional.
Por quê? Quem ordena o fundo estadual de saúde é o secretário de saúde.
Não é o governador o coordenador da despesa. Em outras políticas e
outras áreas, é o governador que define, com o secretário de fazenda,
por exemplo, o que vai ser gasto. Na área da saúde, não. Em embargos de
declaração de um advogado constituído pelo Aécio, ele conseguiu
reverter a situação, dizendo que eu o havia investigado porque [a ação]
chamava a “Prestação de contas” do governador de 2003 a 2008. Se pelo
nome da investigação se define o que tem ali dentro, eu poderia muito
bem ter colocado “Carnaval 2002”, não é? Mas não apontaram como eu
investiguei, de que maneira, onde e quando. Apenas falaram que eu o
investiguei apontando o nome da investigação. A minha indignação é que,
apenas com a ação muito avançada, levanta-se essa outra hipótese e o
procurador-geral de justiça fala que não houve dano ao patrimônio
público.
Qual futuro pretende dar a essa ação civil?
Eu estou ali, lutando para que ela não se extinga. Foram 3 bilhões e
500 milhões desviados da saúde em seis anos. Nós estamos falando de 12
anos da mesma prática em Minas Gerais. No governo Anastasia isso não
mudou. Também ele [procurador-geral de Justiça] poderia investigar,
agora com essa fraude devidamente confessada no processo. O governo não
poderia ter lançado o orçamento da Copasa dentro do orçamento público.
Senão fica fácil, pega os tributos e faz investimentos em empresas que
não são da administração pública direta. Se chegar a ação aqui para me
intimar, vou recorrer ao Tribunal de Justiça, e depois ao STJ e STF.
Quais os problemas que a extinção do processo pode trazer para Minas Gerais?
Primeiro, quem me garante que esse dinheiro não foi [para a Copasa]?
Porque fica fácil agora a Copasa falar “Eu nunca recebi recurso” e o
Estado dizer “Eu nunca mandei”. Basta eles falarem que eu me convenço?
Isso precisa ser esclarecido. Tenho uma ação igual contra o governo
Itamar, de R$1 bilhão que ele desviou. Não deu o menor trabalho pra
investigar, porque ele não maquiou o orçamento. Já a ação foi extinta
agora por conta do governo Aécio. Então, o que vai ser? Se o gestor
resolve não cumprir o mínimo para a política pública não vai acontecer
nada? Ele não provocou o dano de apropriação do recurso, mas e a saúde,
vai ficar sem finanças? Isso eu gostaria de perguntar para o
procurador-geral de Justiça. Está autorizado, então?
Rafaella Dotta
No Brasil de Fato
Nenhum comentário:
Postar um comentário