O projeto que a direita brasileira traçara, cuidadosamente, para tentar retormar o poder total – porque totalmente do poder ela jamais saiu – está arruinado.
A essência deste projeto era a desinformação e o esfriamento do debate político. O desconhecimento de Dilma, o seu quase anonimato, era o seu trunfo. E, convenhamos, isso correspondia a uma realidade.
Um realidade que prevaleceria, se dependesse apenas do processo político convencional, inclusive das estruturas partidárias que apóiam Dilma, perdidas em composições eleitorais, disputas por “cabeças de chapa” e disputas de “espaço interno”. As estruturas políticas convencionais da nossa “esquerda” estão acomodadas, sofrendo da “modorra” criada por anos de governo, de cargos, de praticar uma política que, embora diferente do ponto de vista dos seus objetivos, ia se tornando semelhante, em matéria eleitoral, à dos políticos conservadores.
Alguns fatores, porém, mudaram esta situação.
O primeiro, e mais importante deles, é que Lula nem de longe trabalhou com a tese de que seu retorno ao poder em 2014 fosse o objetivo central e, portanto, nunca adotou a posição de d’après moi le deluge (depois de mim, o dilúvio, que teria sido uma frase dita por Luís XV, rei da França). E olhem que isso não é raro com governantes populares e bem avaliados, e os mais velhos podem traçar paralelos com o que ocorreu com JK.
Ao contrário. Lula, desde o momento em que escolheu Dilma sinalizou que quem enfrentaria o processo eleitoral não seria o PT ou os partidos da base do Governo, mas ele, pessoalmente. Ele, que pela sua origem e estatura, sabe que o sucesso de seu governo deveu-se não à máquina, mas a si mesmo, quis alguém externo à máquina partidária, que não tinha como desafiá-lo e a quem não restava alternativa de, mesmo sem grande ânimo, senão aderir – para alguns com certo contragosto – à candidatura Dilma.
Tenho certeza que foi enorme o sofrimento pessoal do presidente ao sacrificar Ciro Gomes- que não apenas foi um aliado fiel como é uma figura humana cativante – em nome desta identificação única: Lula é Dilma e Dilma é Lula.
E Lula enfrentou, pra valer, o processo eleitoral. Expôs-se até ao um risco de quebra de sua “unanimidade”, jamais recolheu-se a uma falsa posição de árbitro ou de alheio ao processo, não seguiu o modelo “Bachelet” de manter-se um tanto quanto afastado da dinâmica eleitoral para que um eventual insucesso eleitoral não maculasse sua “canonização” política, o que era algo tão forte que até mesmo Serra – o prévio Serra – não hesitava em exaltar.
Ficou claro o que Lula queria deixar claro: Lula é Dilma e Dilma é Lula.
O segundo fator foi, por conta disso, a lucidez do povo brasileiro. Na sua simplicidade, soube – e está sabendo cada vez mais – ler o que dizia o presidente e corresponder a este entendimento. A adesão à candidatura Dilma espalhou-se como uma imensa hera, incontrolável, por vezes – para escândalo dos sabichões elitistas – de forma aparentemente irracional (mas, no fundo, totalmente lógica e razoável, por identificação a um momento novo na vida do país). Era “a muié do Lula”, termo que nossos “punhos de renda” desprezavam, mas que para o nosso povão, na sua sincera e genial compreensão, resumia perfeitamente o significado da candidatura que ele propunha às massas. Ah, como este nosso povo é lúcido quando os líderes se oferecem a ele como referência!
Ficou-lhe claro que Lula é Dilma e que Dilma é Lula.
O terceiro fator, menos importante do ponto de vista de massas, mas importantíssimo para que o debate formal e midiático não ficasse totalmente sob as rédeas da direita – como sempre aconteceu – foi esta nossa incipiente comunicação via web. As manobras, a parcialidade da mídia, as manipulações das pesquisas, tudo isso que sempre se fez impunemente nos processos eleitorais, de repente, viu-se sob o crivo de dezenas de milhares de olhos e suas contradições foram expostas, escritas num lugar em que centenas de milhares ou até milhões de pessoas poderiam ver.
Se a crise do capitalismo mundial abalou o mundo do pensamento único, foi aqui – e não na mídia convencional – que os outros pensamentos, as outras análises, os outros enfoques, as outras verdades encontraram o seu canal de expressão aberta, já não mais restritas aos circulos acadêmicos, partidários, corporativos.
Uma leitora, num depoimento que me comoveu profundamente, disse outro dia aqui que tinha largado as panelas do jantar de sua família para ler uma determinada análise política. Será que os nossos analistas políticos se dão conta do que vem a ser isso? Será que se dão conta do sentido sublime e genial desta participação de alguém que, para eles, é uma pessoa amorfa, conduzida de forma inciente pelo marketing?
A mudança de posição de Serra, abandonando o “lulismo”, tem dois significados.
O primeiro é que desabou a pretensão da direita de, sob mil artifícios de mídia e de pesquisas (e ambas se confundem, não é?), inaugurar a campanha eleitoral, com o “favoritismo” de Serra. Este favoritismo seria sua legitimação. Seria sua “ligação com o povo”, que o absolveria de ser, como é, o candidato anti-povo.
Ele a perdeu. Ele está fadado a começar a campanha como o candidato das elites , do “grand-monde” , ordem interna e da obediência externa.
E isso quer dizer que seu “teto” baixou para algo como os 30% dos votos que a direita, em geral, consegue reunir em qualquer pleito eleitoral. São estes que Serra busca consolidar. Ninguém ache que o sentimento anti-Lula se resuma aos 5 ou 6% que aparecem como avaliação de “ruim e péssimo” nas pesquisas sobre seu Governo. Ele é correspondente, isso sim, aos 24 ou 26% que não são classificados como “aprovação”.
Você mesmo pode verificar entre o seu círculo de relacionamentos que os que classificam o Governo como “razoável” são, em geral, eleitores do candidato anti-Lula.
Mas não se ganha eleição com 25 a 30%.
É preciso criar uma crise que desestabilize esta tendência natural.
Econômica, seria o ideal. Mas o caminho para isso parece estar fechado pela pujança que a economia brasileira tem, neste momento e, ao que tudo indica, terá nos próximos meses.
Resta a crise institucional. E ai, já vimos que estamos diante de alguém desligado de qualquer princípio ético e moral, que é capaz de mentir, de camuflar, de esconder ou de intrigar de todas as formas.
Nosso dever, aqui nesta nossa pequena janela que lança luz sobre os fatos, é não descuidar e nunca achar que o inimigo está derrotado. Porque ele não segue as regras do jogo democrático e eleitoral.
Vamos vencer, sim. Mas o preço desta vitória ainda nos será muito caro. Virão ainda mil e uma armações, além das que já estão em curso.
Talvez nos sirva o preceito bíblico: vigiai e orai. Mas com um acréscimo: vigiai, orai e lutai.
Comecemos mais uma semana de combate, meus amigos.
Com a serenidade dos que têm a razão a seu lado.
Mas com a dedicação e coragem dos que sabem que estão lutando uma grande batalha histórica.
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