domingo, 30 de maio de 2010

RIO: Imóveis em favelas com UPP sobem até 400%


A fachada do condomínio Nobo Batan: músico comprou terreno e dividiu em lotes / Marcelo Piu


Comunidades ocupadas incham, ganham puxadinhos, casas mais altas e até mesmo um condomínio informal


O garçom Marcelo Miranda pagou R$ 70 mil por uma casa com vista para o mar no Chapéu Mangueira / Marcelo Piu


Selma Schmidt – O GLOBO

Um terreno de 3.700 metros quadrados e a tranquilidade que domina o lugar desde a instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) foram o bastante para o músico Renato Ferro da Silva decidir virar empreendedor.

Ele comprou a área, na Rua Aboará, no Jardim Batam, em Realengo, parcelou informalmente e está vendendo os lotes, com 50 metros quadrados cada, do condomínio Novo Batam. Como o Batam, as outras 17 comunidades ocupadas vêm inchando desde que deixaram de ser dominadas por traficantes ou milicianos.

A construção de puxadinhos e de mais um andar — para criar novas quitinetes e abrir espaço para mais gente — virou um cenário comum em favelas pacificadas.

As associações de moradores dizem que, agora, é difícil achar imóveis para alugar ou vender. E os poucos disponíveis tiveram uma valorização de até 400% — caso de um quarto e sala à venda na Cidade de Deus, que foi de R$ 2 mil para R$ 10 mil —, de acordo com levantamento feito pelo estado. As casas de dois quartos nessa comunidade são negociadas a R$ 60 mil (100% de aumento). O aluguel de uma loja dentro da favela custa R$ 500, 150% a mais do que antes da inauguração da UPP, em fevereiro de 2009.

— Sempre se espera a valorização de locais que deixam de ser violentos. Mas o aumento de preços na Cidade de Deus me surpreendeu. Isso mostra que o que impedia a valorização do lugar era a violência — diz o secretáriochefe da Casa Civil do estado, Régis Fichtner.

IAB: prefeitura tem que agir para conter expansão O camelô Vanderlei da Silva Fonseca está entre os que vislumbram lucro com imóveis.

Ele está construindo três quitinetes sobre sua casa, na Providência, última favela a ganhar uma UPP, em abril: — Tem interessado na fila para alugar. Vou alugar duas por R$ 200 e uma por R$ 250.

Do Centro para Copacabana, o mercado aquecido tem estimulado novas construções nos trechos mais altos do Pavão-Pavãozinho: áreas da quinta estação do bondinho, do Escadão e do Caranguejo.

— Morava de aluguel. Estou construindo uma casa com três quitinetes no Escadão, duas para alugar. Estão alugando quitinetes por R$ 250 no alto da favela — revela Ana Paula Alves.

Para Sérgio Magalhães, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil no Rio (IAB-RJ), é fundamental a presença efetiva da prefeitura nas comunidades ocupadas, a fim de orientar os moradores, fazer cumprir normas de construção e conter a expansão das favelas: — A segurança é um bem escasso em áreas pobres. Daí, a preferência por morar em locais com UPPs, que se valorizam. É questão de mercado. O que ocorre no mercado de comunidades ocupadas demonstra ainda a importância de universalizar o sistema que dá garantias constitucionais às pessoas.

Com muro amarelo e branco na frente, o Novo Batam começou a ser implantado há dois meses, quando Renato, morador do outro lado de Realengo, adquiriu o terreno por R$ 170 mil. Onze dos 44 lotes já foram vendidos, por R$ 9,9 mil cada. A venda é feita em cartório, mas Renato não regularizou o empreendimento na prefeitura, que exige lotes mínimos de 125 metros quadrados para construir.

— Delimitamos duas ruas e colocaremos redes de água, esgoto e drenagem — diz Renato.

Subtenente militar reformado do Exército, Jorge Trindade comprou um dos lotes e começou a construir a nova casa: — Há algum tempo atrás, não tinha coragem nem de passar por aqui.

Segundo o coordenador-geral de Regularização Urbanística da Secretaria municipal de Urbanismo, Alexandre Furnaletto, um técnico fará vistoria no novo loteamento.

No futuro, o Batam contará com um Posto de Orientação Urbanística e Social (Pouso), assim como outras 12 comunidades ocupadas e definidas como Áreas de Especial Interesse Social — as exceções são Cidade de Deus, Tabajaras, Morro do Pinto, Pedra Lisa e Indiana.

No Dona Marta (Botafogo) e no complexo do Borel (Tijuca), há um Pouso. No Chapéu Mangueira, na Babilônia (Leme), no Cantagalo (Ipanema) e no PavãoPavãozinho (Copacabana), ainda sem Pouso, um engenheiro ou um arquiteto faz visitas semanais.

Na primeira favela pacificada, Dona Marta, o levantamento do estado revela um aumento de 200% nos aluguéis de imóveis de quarto e sala, que já custam R$ 450 no alto da favela.

— Todo dia tem gente na associação procurando casa. Difícil é encontrar. No primeiro ano da UPP vieram muitos do Nordeste.

Um foi chamando o outro.

Estamos perdendo a nossa essência — diz José Mario Hilário, presidente da associação de moradores da favela.

O estado fez a pesquisa com associações e moradores. Os imóveis mais caros à venda foram identificados na parte baixa dos morros Tabajaras e Cabritos: R$ 80 mil, por uma loja; e R$ 70 mil por um dois-quartos. No aluguel, os maiores preços foram encontrados na parte baixa do Chapéu Mangueira e da Babilônia: R$ 4 mil por uma loja e R$ 2 mil por um dois-quartos.

Nesses morros, para comprar um dois-quartos é preciso pagar R$ 50 mil (mais 66%). Quem quer mais espaço, contudo, tem que desembolsar mais, como fez o garçom Marcelo Miranda Castro, de 49 anos, que pagou R$ 70 mil por uma casa no miolo do Chapéu Mangueira, com vista privilegiada da praia.

— Estou fechando o terraço e melhorando a casa, mas não é para alugar — revela Marcelo, que deixou a casa menor, no Chapéu, para um irmão.

No Chapéu Mangueira, casa à venda por R$ 150 mil Já o professor de inglês e espanhol Sergio Ferrez, de 55 anos, que morou no Leme, em Brasília e em dez países decidiu subir o morro em busca de uma fonte de renda. Por R$ 60 mil, comprou uma casa de três quartos, no Chapéu Mangueira, que está reformando e ampliando: — Vou alugar camas e oferecer café para turistas.

Uma casa vizinha e maior — tem a laje coberta — está sendo oferecida por R$ 150 mil.

Com problemas cardíacos, o aeroviário Isaac Esteves da Silva quer vender o imóvel onde vive há 15 anos, porque está tendo dificuldade para subir as escadarias do Chapéu: — Quero comprar um apartamento menor na Tijuca, no asfalto. Sei que não vou ter a vista que tenho aqui. Mas não podemos ter tudo.

Ocupado pelo Bope este mês e ainda sem UPP, o complexo do Borel não teve a valorização das casas medida pelo estado.

Só que Roberta Ferreira, líder comunitária do Borel, dá o tom da especulação: — Tiraram as placas de vendese e aluga-se. Os poucos que vendem ou alugam estão fora da realidade. Dobraram os preços.

Desabrigada durante as fortes chuvas este ano, Vera Lúcia dos Santos Francelina conseguiu um quarto, no alto do Borel, por R$ 180 de aluguel. Até a casa de Vera é preciso subir 312 degraus. Mais embaixo, na Avenida Nossa Senhora de Fátima, Robson Tomé de Assis Correia manteve a fachada com a inscrição de vende-se. Contudo, não está mais certo disso: — Agora, a casa vale R$ 60 mil. Não vendo por menos — diz ele, que vive num imóvel de sala, dois quartos, varanda e terraço.

Postado por Luis Favre
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Do Blog do Favre.

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