Certa vez, uma apresentadora da Globo, escalada para cobrir o carnaval na Avenida, recebeu da direção a incumbência de entrevistar um conhecido sambista, integrante da Velha Guarda da Portela, a famosa escola de samba do subúrbio carioca de Madureira.
A moça, pouco afeita ao trabalho de repórter, sobretudo em matéria ao vivo, não vacilou. Ao se ver frente a frente do encanecido sambista, tacou-lhe a pergunta: “- o que é preciso para fazer parte da Velha Guarda da Portela?”.
Até hoje não se sabe se o sambista levou a sério a pergunta ou partiu para a gozação em cima da moça. E a resposta veio no mesmo tom da pergunta: “ora, basta ficar velho”.
Passados tantos anos, o que parecia uma pergunta idiota se encaixa como uma luva aos dias atuais. Transfiro aqui para os acadêmicos, não das escolas de samba, mas da Academia Brasileira de Letras, a pergunta da reporter: “- o que é preciso para fazer parte da ABL?”.
Se nossos imortais fossem coerentes com os princípios que levaram à criação da Casa de Machado de Assis, diriam: “ora, basta escrever livros”.
Mas, infelizmente, nossos acadêmicos mais uma vez pisaram na bola, escolhendo para a cadeira vaga com a morte de Moacir Scliar, um não-escritor de livros. Os acadêmicos optaram por um colunista de jornal, preterindo Antonio Torres, escritor consagrado, com vasta obra literária reconhecida em vários países do mundo.
Consta que Merval Pereira publicou dois livros: um em 1979, escrito a quatro mãos, e outro no ano passado, com artigos publicados no jornal O Globo.
A “eleição” de Merval dá sequência a uma prática que vem se tornando tradição na ABL: a escolha de escritores que não escrevem livros, caso do próprio patrão de Merval, o já falecido “companheiro” Roberto Marinho. Não se conhece a obra literária de Marinho, o que dele se conhece bem é o trabalho que desenvolveu ao longo dos anos, sabidamente com a ajuda dos governos militares, que redundou na construção de um império tão poderoso que todos o temem, até mesmo aqueles a quem cumpre conceder os direitos de explorar a indústria televisiva.
Merval não foi o primeiro nem será o último. Durante o regime militar, os nossos imortais escritores elegeram um general, Aurélio de Lira Tavares, que tinha sido Ministro do Exército da ditadura. Com obra literária próxima do zero.
Entre os criticos da escolha de Merval, está Luis Nassif, que escreveu em seu blog:
“A ABL, a casa de Machado de Assis, que deveria ser a guardiã implacável dos valores da literatura, a defensora intransigente da meritocracia, a defensora dos escritores, o selo de qualidade, o passaporte final para a posteridade, é uma casa menor, em alguns momentos parecendo mais uma cloaca de fazenda do que um lugar de luzes e de letras”.
Não é preciso ser muito esperto para entender o porquê da escolha do jornalista. Volto a Nassif:
“Merval tem a visibilidade e o poder proporcionados pela Rede Globo. Tem moeda de troca – o espaço na TV Globo, podendo abastecer o ego dos seus pares e as demandas da ABL. Poderia até ganhar prêmios jornalísticos, jamais a maior condecoração da literatura brasileira”.
A escolha de um jornalista com prestigio dentro do Grupo Globo aparentemente faz parte de uma estratégia da ABL de criar fatos para se manter na mídia. Uma espécie de “toma lá, dá cá”, para usar a expressão da moda. “A gente escolhe um jornalista para tomar o chá das cinco conosco e vocês nos tiram nosso clube do ostracismo”.
Não faz muito tempo, os acadêmicos concederam a medalha Machado de Assis, a honraria maxima da ABL, ao craque de futebol e pagodeiro, Ronaldinho Gaucho. Visivelmente constrangido, Ronaldinho disse que foi bom estar ali porque iria pedir “uma dicas” de livros aos acadêmicos. Dizem que na entrada do prédio da Academia, constava o nome do visitante como Dr. Ronaldinho.
Depois de dar uma medalha a Ronaldinho e arranjar uma cadeirinha pro Merval sentar, a ABL para ser coerente precisa arranjar uma outra para o bispo Edir Macedo. É ou não é?
Nenhum comentário:
Postar um comentário