Do
DoLaDoDeLa - 31/01/2012
por
Lucio de CastroNão
sei se ainda é a ressaca da volta das férias, relatada aqui no último
texto. Não sei nem ao certo se as coisas sempre foram e são assim ou se
esse sentimento de que tudo em volta anda carregado é desses dias ou
desde sempre. O fato é que os últimos dias tiveram cor de chumbo.
Não
o chumbo dos anos de sufoco, mas um chumbo misturado com cinismo, com a
“força da grana que mata e destrói coisas belas”, e uma sensação de que
as coisas estão passando como rolo compressor por todo mundo, e a tal
força da grana, o poderio econômico, a concentração de poder nos meios
de comunicação e os tempos do pensamento único no mundo chegaram
definitivamente para paralisar todo mundo. Com a agravante de que, em
tempos de redes sociais, todo mundo se acha fazendo sua parte tuitando. É
a rebeldia emoldurada em 140 caracteres.
Dias de envergonhar a
espécie humana, com a barbárie do Pinheirinho, a omissão de sempre dos
governantes nos prédios que desabam (como já tinha sido no bonde, nos
temporais, em tantas coisas…), com o chocante relato na reportagem de
Eliane Brum (sempre ela…!), “A Amazônia, segundo um morto e um
fugitivo”, disponível na internet. Para completar, na semana que entra,
temos a monótona, repleta de chavões e inverdades, parcial, acrítica, e
muitas vezes beirando o desonesto, cobertura da visita da presidenta
Dilma a Cuba. Desde já, nossa imprensa elegeu a personagem da viagem,
não importando o que irá acontecer: Yoani Sánchez, a blogueira cubana.
Eleita estrela pop pela imprensa mundial já há algum tempo.
Yoani
Sánchez todos conhecem. Ou acham que sim. A tal blogueira que virou
símbolo mundial na luta “pelos direitos humanos em Cuba”, “contra a
falta de liberdade de expressão em Cuba”, etc… Não iria aqui (prestem
atenção nesse trecho antes de enviar afirmações deturpadas sobre minhas
opiniões… ) ignorar problemas, alguns graves, ocorridos ao longo do
processo revolucionário em Cuba, desde 1959. Apenas é preciso tentar ver
o outro lado sem a dose de cinismo com que geralmente a nossa imprensa o
faz, assim como a maioria esmagadora da imprensa do ocidente. Sem
ignorar os bloqueios, as sabotagens, as criminosas tentativas de
homicídio partidas de Washington e outras variáveis. Estive na ilha por
diversas e diferentes razões, e por isso gosto mais ainda dos versos de
Pablo Milanez, equilibrado em reconhecer as contradições da revolução e
seus méritos em “Acto de Fe”.
É preciso se despir de
preconceitos, conceitos prontos e chavões para ao menos manter o senso
crítico quando se vê, repetidas e monótonas vezes, a afirmação dos
“desrespeitos e violação aos direitos humanos em Cuba”. Ou se fala com
absoluto conhecimento de causa, se é capaz de afirmar com conhecimento e
critério jornalístico, provando, ou nos resta como referência o órgão
mundial que trata sobre o assunto. E segundo a Anistia Internacional,
que de forma alguma pode ser apontada como conivente com Cuba, (muito
pelo contrário), em parecer de abril de 2011, “no continente americano, é
o país que menos viola os direitos humanos ou que melhor os respeita é
Cuba. O parecer está no sítio da Anistia Internacional, em três idiomas.
De qualquer forma, sempre chega a ser risível falar em “violação aos
direitos humanos” vivendo no Brasil de Pinheirinhos, das remoções nas
grandes cidades pelo estado de exceção que se instala por causa da Copa
de 2014 e das Olimpíadas de 2016, da Candelária, do Carandiru, da
reportagem acima citada de Eliane Brum… E poderíamos seguir dando tantos
exemplos, infinitos, né?
O mesmo informe da Anistia
Internacional dá conta de que 23 dos 27 países que votaram por sanções
contra Cuba por violações dos direitos humanos são apontados pela
própria Anistia como violadores muito maiores do que Cuba nos direitos
humanos. O que nos leva a crer que a maior violação aos direitos humanos
em Cuba está mesmo na base militar americana de Guantánamo. Quem dirá o
contrário, quem será capaz?
Tampouco eu seria panfletário ou
bobinho de falar em “liberdade de expressão” em Cuba. Apenas não sou
panfletário ou bobinho de omitir o nosso quadro. Ou o das grandes
corporações, dos barões da mídia mundiais. Alguém ignora o quanto de
poderio econômico serve de filtro para o noticiário nosso de cada dia,
para escolher o que vai para as páginas ou ao ar? Se não acredita, então
fique esperando no horário nobre a apuração séria dos desmandos da Copa
de 2014 ou 2016. Não vale algo pontual, quando o próprio interesse está
em jogo…
Esqueçam as duas linhas de quatro, o 4-2-3-1 e as
confusões da Turma do Didi (diretoria do Flamengo) e Luxemburgo, além da
operação de Rogério Ceni. A semana que começa será de Yoani Sánchez,
alguém tem dúvida? Brasileiros envolvidos na cobertura da visita de
Dilma a Cuba irão procurar a blogueira. Traçarão perfis. Ela que ganhou
espaço como colunista do Globo, que recebeu o Jornal Nacional esses dias
e tem dado entrevista pra todos os órgãos de imprensa brasileiros, irá
falar mais do que nunca. Espera-se que os envolvidos na cobertura tenham
ao menos um pouco da categoria e cumpram os deveres do ofício como fez o
jornalista francês Salim Lamrani, professor da Sorbonne. O único
jornalista do mundo até aqui a fazer algumas perguntas elementares para
Yoani. O único a estranhar que a blogueira tenha recebido Bisa Williams,
diplomata americana em sua casa e não tenha revelado. O único a pelo
menos questionar o que poderia estar por trás da dimensão que Yoani
ganhou no mundo, além dos 300 mil euros recebidos em prêmios nos últimos
tempos. Uma entrevista que vale a pena. É enorme, mas vale. Pelo menos
para que possamos ter algumas interrogações quando começar a “semana
Yoani”.
Aos colegas envolvidos na cobertura in loco, boa sorte.
Independentemente de sistemas políticos, o que fica ao fim de tudo,
sempre, é gente. Curtam essa gente especial. Em alguns momentos, não
saberão se estão na Pedra do Sal, aqui em São Sebastião do Rio de
Janeiro ou em Habana Vieja. Esqueçam as questões ideológicas e travem
conversa com aqueles que mais rápido falam no mundo. Ninguém consegue
falar mais rápido do que um cubano, quase engolindo sílabas. Esqueça os
chavões, o que leu. Não comece a conversa por “companheiro”. Quem é de
rua sabe que nas quebradas o papo é outro. Bote a mão no ombro, chame de
“sócio”, “cumpadre”, “amigo” que seja. Vai encontrar uma gente altiva,
de cabeça erguida. Na correria, como em qualquer lugar do mundo.
Lembrem-se também que o mojito é na Bodeguita e o daiquiri na Floridita…
E na hora em que estiver trabalhando, oxalá possa deixar os
preconceitos de lado. Nem de um lado nem do outro. Do mesmo jeito que
não valem as versões e protocolos oficiais, se der para relativizar pelo
menos tudo o que vê de mazelas, tentar entender o contexto, ir além,
vai dar para sair de cabeça erguida. Do contrário, se for mais um
voltando com velhos chavões e preconceitos, será mais um a conhecer a
maldição da despedida em Cuba. Consta que todos aqueles que não foram
capazes de manter o equilíbrio e a correção em coberturas habaneiras,
ganharam um nó eterno na garganta, adquirido na hora de ir embora e que
acompanha o resto da vida, em forma de vergonha. Bate forte como
arrependimento quando se pensa em tudo o que se escreveu pensando na voz
do dono. Um mal que acomete a quem pecou diante de Gutemberg, e vem
quando se passa pelos dizeres na saída do aeroporto (nada pode ser mais
devastador):
“Esta noite, 200 milhões de crianças dormirão nas ruas do mundo. Nenhuma delas é cubana”.
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário