Decisão do STJ indica que havia outra saída na disputa
"Uma
ordem judicial não pode valer uma vida humana." A afirmação do ministro
Fernando Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (hoje aposentado),
consta de decisão tomada pelo tribunal em agosto de 2009, na discussão
de um caso idêntico ao do bairro Pinheirinho, na cidade de São José dos
Campos (SP).
A decisão do STJ
indica que a reintegração de posse do Pinheirinho, feita pela Polícia
Militar de São Paulo no domingo passado (22/1), não era a única
alternativa para resolver a disputa judicial travada em torno da
propriedade do terreno que há oito anos foi ocupado por famílias de
baixa renda. No julgamento de um pedido de reintegração de posse do
terreno onde hoje há o bairro Renascer, em Cuiabá (MT), o STJ decidiu
que o emprego de força policial para a retomada da área poderia ser a
medida necessária, mas não era a mais adequada.
Os
ministros tomaram a decisão em um pedido de intervenção federal no
estado de Mato Grosso feito pela massa falida da empresa Provalle
Incorporadora, dona da área de quase 500 mil metros quadrados onde
nasceu o bairro na capital de Mato Grosso. Como em Pinheirinho, a
empresa obteve na Justiça estadual, em 2004, a ordem de reintegração de
posse. Mas a ordem não foi cumprida pelo então governador Blairo Maggi —
hoje senador pelo PR. E o STJ deu razão ao governador.
O
relator do pedido de intervenção, ministro Fernando Gonçalves, defendeu
que existiam outros meios menos drásticos para ressarcir a empresa dona
do terreno. "Por exemplo, fazendo uma desapropriação ou resolvendo-se
em perdas e danos", afirmou o ministro na ocasião.
"No
caso concreto, à saciedade, está demonstrado que o cumprimento da ordem
judicial de imissão na posse, para satisfazer o interesse de uma
empresa, será à custa de graves danos à esfera privada de milhares de
pessoas, pois a área objeto do litígio encontra-se não mais ocupada por
barracos de lona, mas por um bairro inteiro, com mais de 1000 famílias
residindo em casas de alvenaria. A desocupação da área, à força, não
acabará bem, sendo muito provável a ocorrência de vítimas fatais. Uma
ordem judicial não pode valer uma vida humana. Na ponderação entre a
vida e a propriedade, a primeira deve se sobrepor", ponderou Gonçalves.
Os
bairros Pinheirinho, em São José dos Campos, e Renascer, em Cuiabá, se
assemelham em tudo. Ambos nasceram em propriedades privadas que
pertenciam a empresas, mas estavam vazios por conta de longas disputas
judiciais. Os dois foram ocupados por centenas de famílias de baixa
renda e se tornaram bairros populosos, com a infraestrutura de qualquer
bairro residencial.
Nos dois
casos, as empresas proprietárias da área conseguiram, na Justiça
estadual, mandado de reintegração de posse, com uso de força policial,
caso necessário. No caso de Mato Grosso, contudo, o governador não
cumpriu a ordem judicial. A empresa recorreu ao STJ, pedindo a
intervenção federal no estado pelo descumprimento da decisão judicial,
mas a Corte Especial do tribunal, por seis votos a quatro, rejeitou o
pedido.
Em seu voto, o ministro
Fernando Gonçalves anotou que não se tratava de negar à massa falida da
empresa seu direito à propriedade da área. Mas de ponderar os valores
constitucionais em jogo na disputa. De um lado, o direito à vida, à
liberdade, à inviolabilidade domiciliar e à dignidade da pessoa humana.
De outro, o direito à propriedade. A maior parte dos ministros entendeu
que o direito à propriedade não poderia suplantar as demais garantias.
Em
março de 2005, o governador Blairo Maggi justificou os motivos de não
cumprir a ordem judicial. Entre eles, o fato de morarem na área mais de
três mil pessoas, em 1.027 casas. Em seu relatório, o ministro Gonçalves
anota que o governador também ressaltou que não enviou a polícia para
desocupar a área "em decorrência dos ditames constitucionais da
proporcionalidade e da razoabilidade, diante das consequências funestas
que poderiam advir da intervenção policial". De acordo com Maggi, a ação
poderia acarretar uma guerra urbana de proporções imprevisíveis.
Clique aqui para ler os votos dos ministros do STJ e a discussão no julgamento do caso do bairro Renascer
Leia a íntegra do acórdão e do voto do ministro Fernando Gonçalves
INTERVENÇÃO FEDERAL Nº 92 - MT (2005⁄0020476-3)
RELATOR: MINISTRO FERNANDO GONÇALVES
REQTE: PROVALLE INCORPORADORA LTDA – MASSA FALIDA
ADVOGADO: MICAEL HEBER MATEUS
REPR. POR: POLIDORA DE MÁRMORES GOIÂNIA LTDA – POLMATGO – SÍNDICO
UF: ESTADO DE MATO GROSSO
EMENTA
DIREITO
CONSTITUCIONAL. INTERVENÇÃO FEDERAL. ORDEM JUDICIAL. CUMPRIMENTO.
APARATO POLICIAL. ESTADO MEMBRO. OMISSÃO (NEGATIVA). PRINCÍPIO DA
PROPORCIONALIDADE. PONDERAÇÃO DE VALORES. APLICAÇÃO.
1
- O princípio da proporcionalidade tem aplicação em todas as espécies
de atos dos poderes constituídos, apto a vincular o legislador, o
administrador e o juiz, notadamente em tema de intervenção federal, onde
pretende-se a atuação da União na autonomia dos entes federativos.
2
- Aplicação do princípio ao caso concreto, em ordem a impedir a
retirada forçada de mais 1000 famílias de um bairro inteiro, que já
existe há mais de dez anos. Prevalência da dignidade da pessoa humana em
face do direito de propriedade. Resolução do impasse por outros meios
menos traumáticos.
3 - Pedido indeferido.
ACÓRDÃO
Vistos,
relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Corte
Especial do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e
das notas taquigráficas a seguir, por maioria, indeferir o pedido de
intervenção. Vencidos os Ministros Gilson Dipp, João Otávio de Noronha,
Teori Albino Zavascki e Nilson Naves. Os Ministros Felix Fischer, Aldir
Passarinho Junior, Hamilton Carvalhido, Eliana Calmon, Laurita Vaz e
Luiz Fux votaram com o Ministro Relator. Ausentes, justificadamente, os
Ministros Cesar Asfor Rocha e Francisco Falcão. Licenciada a Ministra
Nancy Andrighi.
Brasília, 05 de agosto de 2009. (data de julgamento)
MINISTRO ARI PARGENDLER, Presidente
MINISTRO FERNANDO GONÇALVES, Relator
INTERVENÇÃO FEDERAL Nº 92 - MT (2005⁄0020476-3)
RELATÓRIO
EXMO. SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES:
Cuida-se
de pedido de intervenção federal no Estado do Mato Grosso requerida
pela Massa Falida de Provalle Incorporadora Ltda por não haver o
Governador daquela unidade federativa atendido requisição de força
policial do Juízo de Direito da Vara de Falências e Concordatas de
Goiânia - GO - para dar cumprimento a mandado de reintegração de posse
em área de 492.403m², decorrente de acórdão do Tribunal de Justiça que
guarda a ementa seguinte:
"INTERVENÇÃO
FEDERAL - IMISSÃO DE POSSE - RESISTÊNCIA AO CUMPRIMENTO DE MANDADO
JUDICIAL - REQUISIÇÃO DE FORÇA POLICIAL - INÉRCIA DAS AUTORIDADES
ESTADUAIS EM CUMPRIREM A DETERMINAÇÃO JUDICIAL - HIPÓTESE DE INTERVENÇÃO
AUTORIZADA PELO ARTIGO 34, INCISO VI, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
A
intervenção federal, providência de natureza excepcional, deve ser
acolhida quando demonstrado que o Poder Executivo do Estado procrastina,
por anos, o atendimento de requisição de força policial para auxiliar o
cumprimento de decisão transitada em julgado." (fls. 39)
Nas
informações o Exmo Sr. Governador do Estado de Mato Grosso BLAIRO
BORGES MAGGI assinala não haver enviado reforço policial para evacuar a
área, já conhecida como "Bairro Renascer", em decorrência dos ditames
constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, diante das
conseqüências funestas que poderiam advir da intervenção policial. É que
a área em questão, transformada em bairro, conta com mais de mil
edificações e milhares de moradores, o que poderia acarretar uma guerra
urbana de proporções imprevisíveis.
Após
pronunciamento ministerial, foi oficiado ao Ministro das Cidades
solicitando informações a respeito de providências tomadas diante de
expediente da Subprocuradoria-Geral da República, conforme fls. 60 e 67.
Sobreveio, então, a notícia de eventual transação, devidamente
homologada, entre o Estado de Mato Grosso, o Município de Cuiabá e a
Massa Falida de Provalle Incorporadora Ltda (fls. 83⁄84 e documentos de
fls. 85⁄99). Foi ouvida a Subprocuradoria-Geral da República (fls.
102⁄104), mas não anexada aos autos a sentença homologatória da
transação noticiada, com a informação pelo Juízo de Direito da 11ª Vara
Cível de Goiânia - fls. 162⁄164 - da não concretização do acordo.
O Ministério Público Federal, finalmente, opina pelo indeferimento do pedido de intervenção federal.
É o relatório.
INTERVENÇÃO FEDERAL Nº 92 - MT (2005⁄0020476-3)
VOTO
EXMO. SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES (RELATOR):
as
informações prestadas pelo Excelentíssimo Senhor Governador do Estado
de Mato Grosso, em 15 de março de 2005, está consignado, verbis:
"...
segundo estudos realizados pelo Comando Geral de Polícia Militar, na
área em litígio estariam presentes mais de 3000 mil pessoas somando um
total de 1027 habitações, números estes que corroboram sobremaneira à
assertiva de imensa dificuldade e de imprevisíveis conseqüências
trágicas que a utilização de força policial poderia acarretar não só à
região ocupada, mas a todo o município de Cuiabá.
Assim,
vê-se sem nenhum esforço e com certa facilidade que a retirada dos
ocupantes do "Bairro Renascer" não se constituiria em tarefa singela e
de fácil execução, pois a ilustre parte ex adversa está muito a
par, e por certo superiormente a nós outros que desocupar uma área com
tantos moradores e com um número grandioso de construções não poderia
ser efetivada sem acarretar um enorme transtorno urbano.
Dessa
forma, ao contrário do alegado pela requerente, não se trata em
absoluto, de descumprimento ou de desobediência as decisões emanadas do
Poder Judiciário, iluminadas que foram as atitudes tomadas pelas
Autoridades responsáveis pela Segurança Estadual, que agiram sob o pálio
e o imperativo da cautela, da precaução e acima de tudo, em respeito
aos atributos constitucionalmente consagrados da proporcionalidade e
principalmente da razoabilidade." (fls. 52)
Em
decorrência, em um primeiro momento, a Subprocuradoria-Geral da
República, veio a opinar no sentido de se negar o pedido de intervenção,
por não ser conveniente ao "interesse social uma previsível tragédia,
vitimando inocentes, e jogando ao desamparo mais de 1000 famílias, para
atender aos interesses particulares dos credores de uma massa falida
(fls. 58).
Colocado nestes exatos
termos o debate, em face da relevância da situação e frente à
possibilidade real de dano grave e de difícil reparação, com evidentes
reflexos na ordem pública, foi pedida a interveniência do Ministério das
Cidades, acolhendo requerimento do Ministério Público Federal, não se
vislumbrando, entretanto, solução plausível para o problema, porquanto a
transação noticiada (fls. 84) entre o Estado de Mato Grosso, o
Município de Cuiabá e a Massa Falida não teve bom termo, eis que não
homologada judicialmente. Diz, com efeito, o MM. Juiz de Direito da 11ª
Vara Cível de Goiânia (fls. 164):
"Assim,
sem homologação do acordo não cumprido - por volta de dezembro de 2004 a
precatória de imissão da Massa na posse do imóvel foi devolvida para
que o Juízo da Comarca de Cuiabá desse cumprimento à mesma, intimando o
Governador daquela Unidade Federada para que fornecesse efetivo da
Polícia Militar para cumprimento da ordem judicial.
Desde então, segundo informações deste juízo, a mencionada Carta Precatória permanece parada sem cumprimento.
Destarte,
arrematando, informo que segundo se verifica dos autos, o acordo
noticiado, pelas razões já expostas, não foi homologado, e que a carta
precatória continua no Estado do Mato Grosso, aguardando cumprimento."
(fls. 164)
Nesse contexto, a
solução do problema deve ter por base o princípio da proporcionalidade,
conforme aliás, antes mencionado, pois, como visto, o caso encerra, a
toda evidência, um conflito de valores ou, em outras palavras, a
ponderação de direitos fundamentais. De um lado, o direito à vida, à
liberdade, à inviolabilidade domiciliar e à própria dignidade da pessoa
humana, princípio fundamental da República Federativa do Brasil (art.
1º, III da Constituição Federal). De outro, o direito à propriedade.
Em
tema de ponderação de valores, a doutrina constitucionalista e a
jurisprudência da Suprema Corte, salientam que, sem a exclusão de
quaisquer dos direitos em causa, até mesmo porque não pode haver
antinomia entre valores constitucionais, deve prevalecer, no caso
concreto, aquele valor que mais se apresenta consetâneo com uma solução
ponderada para o caso, expandindo-se o raio de ação do direito
prevalente, mantendo-se, contudo, o núcleo essencial do outro, com
aplicação da três máximas norteadoras da proporcionalidade: a adequação,
a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.
No
caso concreto, à saciedade, está demonstrado que o cumprimento da ordem
judicial de imissão na posse, para satisfazer o interesse de uma
empresa, será à custa de graves danos à esfera privada de milhares de
pessoas, pois a área objeto do litígio encontra-se não mais ocupada por
barracos de lona, mas por um bairro inteiro, com mais de 1000 famílias
residindo em casas de alvenaria. A desocupação da área, à força, não
acabará bem, sendo muito provável a ocorrência de vítimas fatais. Uma
ordem judicial não pode valer uma vida humana. Na ponderação entre a
vida e a propriedade, a primeira deve se sobrepor.
O
Plenário do Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de se
manifestar, em tema específico de intervenção federal, sobre o princípio
da proporcionalidade, na IF nº 2915-5⁄SP (DJU 28⁄11⁄2003), relator para
o acórdão o Ministro Gilmar Mendes que, em seu elucidativo voto,
discorre sobre o tema:
"Em
nosso sistema federativo, o regime de intervenção representa excepcional
e temporária relativização do princípio básico da autonomia dos
Estados. A regra, entre nós, é a não-intervenção, tal como se extrai com
facilidade do disposto no caput: do art. 34 da Constituição, quando diz que "a União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal. exceto para: ( ... )".
Com
maior rigor, pode-se afirmar que o princípio da não intervenção
representa sub-princípio concretizador do princípio da autonomia, e
este, por sua vez, constitui sub-princípio concretizador do princípio
federativo. O princípio federativo, cabe lembrar, constitui não apenas
princípio estruturante da organização política e territorial do Estado
brasileiro, mas também cláusula pétrea da Carta de 1988.
No
processo de intervenção federal nos Estados e no Distrito Federal,
verifica-se, de imediato, um conflito entre a posição da União, no
sentido de garantir a eficácia daqueles princípios constantes do art. 34
da Constituição, e a posição dos Estados e do Distrito Federal, no
sentido de assegurar sua prerrogativa básica de autonomia. A primeira
baliza para o eventual processo de intervenção destinado a superar tal
conflito encontra-se expressamente estampada na Constituição, quando
esta consigna a excepcionalidade da medida interventiva.
Diante
desse conflito de princípios constitucionais, considero adequada a
análise da legitimidade da intervenção a partir de sua conformidade ao
princípio constitucional da proporcionalidade.
O
princípio da proporcionalidade, também denominado princípio do devido
processo legal em sentido substantivo, ou ainda, princípio da proibição
do excesso, constitui uma exigência positiva e material relacionada ao
conteúdo de atos restritivos de direitos fundamentais, de modo a
estabelecer um "limite do limite" ou uma "proibição de excesso" na
restrição de tais direitos. A máxima da proporcionalidade, na expressão
de Alexy, coincide igualmente com o chamado núcleo essencial dos
direitos fundamentais concebido de modo relativo - tal como o defende o
próprio Alexy. Nesse sentido, o princípio ou máxima da proporcionalidade
determina o limite último da possibilidade de restrição legítima de
determinado direito fundamental.
A
par dessa vinculação aos direitos fundamentais, o princípio da
proporcionalidade alcança as denominadas colisões de bens, valores ou
princípios constitucionais. Nesse contexto, as exigências do princípio
da proporcionalidade representam um método geral para a solução de
conflitos entre princípios, isto é, um conflito entre normas que, ao
contrário do conflito entre regras, é resolvido não pela revogação ou
redução teleo1ógica de uma das normas conflitantes nem pela explicitação
de distinto campo de aplicação entre as normas, mas antes e tão-somente
pela ponderação do peso relativo de cada uma das normas em tese
aplicáveis e aptas a fundamentar decisões em sentidos opostos. Nessa
última hipótese, aplica-se o princípio da proporcionalidade para
estabelecer ponderações entre distintos bens constitucionais.
Em
síntese, a aplicação do princípio da proporcionalidade se dá quando
verificada restrição a determinado direito fundamental ou um conflito
entre distintos princípios constitucionais de modo a exigir que se
estabeleça o peso relativo de cada um dos direitos por meio da aplicação
das máximas que integram o mencionado princípio da proporcionalidade.
São três as máximas parciais do princípio da proporcionalidade: a
adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Tal
como já sustentei em estudo sobre a proporcionalidade na jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal ("A proporcionalidade na Jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal", in Direitos Fundamentais e Controle de
Constitucionalidade: Estudos de Direito Constitucional, 2ª ed., Celso
Bastos Editor: IBDC, São Paulo, 1999, p. 72), há de perquirir-se, na
aplicação do principio da proporcionalidade, se em face do conflito
entre dois bens constitucionais contrapostos, o ato impugnado afigura-se
adequado (isto é, apto para produzir o resultado desejado), necessário
(isto é, insubstituível por outro meio menos gravoso e igualmente
eficaz) e proporcional em sentido estrito (ou seja, se estabelece uma
relação ponderada entre o grau de restrição de um princípio e o grau de
realização do princípio contraposto).
Registre-se,
por oportuno, que o principio da proporcionalidade aplica-se a todas as
espécies de atos dos poderes públicos, de modo que vincula o
legislador, a administração e o judiciário, tal como lembra Canotilho
(Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 2ª
ed., p. 264).
Cumpre
assinalar, ademais, que a aplicação do princípio da proporcionalidade em
casos como o presente, em que há a pretensão de atuação da União no
âmbito da autonomia de unidades federativas, é admitida no direito
alemão. Nesse sentido, registram Bruno Schmidt Bleibtreu e Franz Klein,
em comentário ao art. 37 da Lei Fundamental, que "os meios da execução
federal ("Bundeszwang") são estabelecidos pela Constituição, pelas leis
federais e pelo princípio da proporcionalidade " ("Die Mittel des
Bundeszwanges werden durch das Grundgesetz, die Bundesgesetze und das
Prinzip der Verhältnismäbigkeit", Kommentar zum Grundgesetz, 9ª ed.,
Luchterhand, p. 765.)"
Trazendo,
então, as três máximas do princípio da proporcionalidade para o caso
concreto, podemos afirmar que o emprego da força policial, pode até ser necessária, pois trará o efeito desejado, ou seja, imitir na posse do imóvel a empresa, mas não será adequada,
pois existem outros meios de compor a propriedade privada da credora,
por exemplo, fazendo uma desapropriação ou resolvendo-se em perdas e
danos, e muito menos proporcional em sentido estrito, pelos
fundamentos exaustivamente já expendidos, notadamente a prevalência da
dignidade da pessoa humana em face do direito de propriedade.
Nesse sentido, o parecer do Ministério Público Federal:
Assim,
não convém ao interesse social uma previsível tragédia, vitimando
inocentes, e jogando ao desamparo mais de 1000 famílias, para atender
aos interesses particulares dos credores de uma massa falida.
A
constituição, apesar de dizer que a intervenção, em casos como o dos
autos dependerá "de requisição" do STF, STJ ou TRE, não diz que estes
são obrigados a requisitar sem antes fazer um juízo de conveniência em
face do interesse social.
No caso presente, a negativa de cessão de tropas estaduais é o mal menor." (fls. 58)
Por
isso, sem embargo da discricionariedade na decisão de se determinar que
a União, para fazer valer uma decisão judicial, intervenha na autonomia
de um ente federativo (Estado-membro), que é um ato político, "tem a
doutrina entendido que a intervenção deve amoldar-se aos princípios da
necesssidade e da proporcionalidade, referenciados não só à gravidade da
situação que procura remediar, como também ao resultado pretendido com a
medida." (Enrique Ricardo Lewandowski, in Pressupostos materiais e
formais da intervenção federal no Brasil, Editora Revista dos Tribunais,
1994, pág. 140)
Indefiro, portanto, o pedido.
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