Clubes militares das três Armas emitiram nota conjunta de ridículo
atroz: exigem que a presidente venha a público desautorizar suas
ministras sempre que disserem alguma verdade sobre a ditadura de 1964/85
Deu n'O Estado de S. Paulo que os clubes militares das três Armas
emitiram nota conjunta de ridículo atroz: exigem que a presidente Dilma
Rousseff venha a público desautorizar suas ministras sempre que disserem
alguma verdade sobre a ditadura de 1964/85.
Como as pessimamente traçadas linhas não foram publicadas em lugar
nenhum, só nos resta acreditarmos - ou não - no texto da jornalista
Tânia Monteiro (vide aqui), que deixa transparecer nitidamente sua simpatia pela catalinária das viúvas da ditadura:
"Em sinalização de como os militares da reserva estão digerindo a
instalação da Comissão da Verdade, presidentes dos três clubes militares
publicaram um manifesto censurando a presidente Dilma Rousseff e
atacaram as ministras dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, e da
Secretaria das Mulheres, Eleonora Menicucci, por supostas críticas
dirigidas à caserna".
Sinalização do quê, cara-pálida? Desde quando os frequentadores dessas
associações recreativas, entre uma e outra partida de bocha, falam em
nome da maioria dos oficiais da reserva? Que eu saiba, nunca lhes foi
dada delegação nenhuma neste sentido.
É de supor-se que os diretores estejam mesmo apavorados com os
esqueletos que possam sair dos armários oficiais. Afinal, o Clube
Militar do Rio de Janeiro vive homenageando o torturador-símbolo do
Brasil, Carlos Alberto Brilhante Ustra, além de comemorar religiosamente
o aniversário da quartelada de 1964.
Quantos militares de pijama têm comparecido aos desagravos a Ustra?
Cerca de 300. O que representam, no conjunto dos oficiais da reserva do
RJ? Um por cento? Provavelmente, menos ainda.
Então, constata-se a existência de uma pequena minoria que ainda segue a
cartilha de Hitler, Mussolini, Franco, Salazar, Pinochet e que tais. E,
simplesmente, não há como sabermos o que pensa a maioria. Isto é o que
um jornalista isento concluiria.
O pior é que a tal Tânia Monteiro vai mais longe ainda:
"A carta, embora assinada por oficiais da reserva, traduz a insatisfação
de militares da ativa, que são proibidos de se manifestarem".
Que insatisfação? De onde ela tirou tal conclusão? Viu numa bola de
cristal? Acreditou no que lhe foi contado por quem a escolheu para
trombetear o assunto sem divulgar a carta?
Pois é suspeitíssima a reprodução de trechos entre aspas e o sumiço do
texto integral, que um profissional de imprensa cioso necessariamente
colocaria no final da notícia, depois de introduzi-lo nos parágrafos
iniciais.
Pode-se pensar num subterfúgio para escapar de algum risco legal
qualquer. Mas, podemos também supor que não exista carta nenhuma, só os
trechos citados. Cada um conjectura à vontade. E temos bons motivos para
refletirmos sobre se vale a pena confiar numa repórter que, por algum
motivo, foi escolhida para desempenhar tal papel.
Pois salta aos olhos que se trata de uma notícia plantada para ser
reproduzida em todos os sites e correntes virtuais da extrema-direita.
E, claro, o foi -- em um por um.
O que motivou a reação destrambelhada dos nostálgicos do arbítrio?
uma declaração da Maria do Rosário, de que os trabalhos da Comissão da
Verdade poderiam levar à responsabilização dos agentes do terrorismo de
estado. Ora, se (para imensa vergonha do Brasil e dos brasileiros...)
nada indica que os acontecimentos vão marchar nesta direção, por que
haveria a presidente da República de desmentir o que, à primeira vista,
parece ser apenas uma hipótese improvável?
as críticas que a ex-resistente Eleonora Menicucci de Oliveira faz
àqueles que torturaram a ela e a seus antigos companheiros de
militância, além de assassinarem bestialmente o saudoso Luiz Eduardo
Merlino. Os ditos cujos deveriam é se dar por felizes de estarem sendo
apenas criticados, não trancafiados numa prisão como os criminosos
hediondos que foram. Além de terem obtido a (terrivelmente injusta e
totalmente descabida) impunidade, ainda querem amordaçar ministras?!
o fato de constar em qualquer documento do PT que o partido está
empenhado "no resgate de nossa memória da luta pela democracia durante o
período da ditadura militar", ao que os gorilas objetam, pateticamente,
que na época da criação da sigla a abertura política já havia ocorrido.
E daí? É público e notório que o PT foi constituído por veteranos da
resistência à ditadura, sindicalistas do ABC e expoentes da esquerda
católica. Então, tem, sim, o direito de apresentar-se como depositário
da memória da luta contra o despotismo.
Se Dilma der qualquer satisfação aos autores de um exercício tão
amadoresco de lobbismo extremista, simplesmente se desqualificará como
comandante em chefe das Forças Armadas.
Cabe-lhe sair em defesa de suas ministras ou, face à nenhuma importância deste factóide, simplesmente o ignorar.
Celso Lungaretti é jornalista, escritor e autor do livro Náufrago da Utopia.
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