Enviado por luisnassif, dom, 01/04/2012 - 08:00 Coluna Econônmica - 01/04/2012
Luis Nassif
Nos
próximos meses, a liberdade de imprensa no Brasil enfrentará um dos
maiores desafios da sua história: demonstrar capacidade de se abstrair
do corporativismo e proceder a uma análise corajosa e isenta sobre
fatos que começarão a jorrar nos próximos dias.
Trata-se da
ligação da revista Veja com o crime organizado. Mais especificamente
com o bicheiro Carlinhos Cachoeira e seu oficial maior, senador
Demóstenes Torres.
Cachoeira elegeu Demóstenes. A revista
transformou-se em um político influente, graças à apologia que fazia
dele. Juntos, as três pontas produziam escândalos, em um esquema
articulado.
Cachoeira armava escândalos, muitos dos quais contra
adversários criminosos. A revista repercutia. Graças a essa
repercussão, os adversários eram alijados dos esquemas, permitindo a
Cachoeira tomar conta do pedaço.
Grande
parte dos escândalos eram avalizados por Demóstenes Torres - como o
caso Francisco Escórcio, figura folclórica do Senado, acusado pela
revista de tentar espionar Demóstenes e o governador goiano Marcone
Perillo. A denúncia foi fundamental para o afastamento do presidente do
Senado, Renan Calheiros. Depois, comprovou-se que tinha sido fruto de
uma mentira orquestrada entre Demóstenes e a revista (
http://migre.me/8tWID). Jamais saiu o desmentido.
Até que a Polícia Federal entrasse na parada, todos ganharam.
A
revista vendia mais e se tornava mais e mais temida. Cachoeira
expulsava inimigos do seu território. Demóstenes se valia do poder
conferido pela revista para atuar em favor dos interesses de Cachoeira
na administração pública e dos interesses da revista na geração de
escândalos.
Escrevi sobre esse tema em 2008, na série "O caso de Veja". Trata-se do capítulo "O repórter e o araponga" (
http://migre.me/8tWrc).
Nele
conto como Cachoeira, em parceria com a revista, montou o escândalo da
propina dos Correios - um grampo mostrando um funcionário recebendo R$
3 mil de propina. De posso do grampo, a revista monta o escândalo.
Como consequência, cai dos Correios o esquema liderado pelo deputado
Roberto Jefferson, e assume o esquema do próprio Carlinhos Cachoeira.
Dois anos depois, a Polícia Federal liquidou com o novo esquema, mas a revista poupou seu parceiro.
Agora,
a Operação Monte Carlo, da Polícia Federal, chega ao âmago do poder de
Cachoeira, e flagra 200 ligações entre ele e o diretor da revista em
Brasilia.
Há advogados que se valem da prerrogativa da profissão para atividades criminosas. O mesmo pode ocorrer com setores da mídia.
O grande desafio da mídia será mostrar sua capacidade de autocorreção.
Na
Inglaterra, o caso News Corp trouxe lições preciosas. Um veículo
ligado ao magnata Rupert Murdoch aliou-se a setores da polícia e
afrontou direitos individuais de dezenas de pessoas. Foi denunciado por
outro jornal, o The Guardian. As investigações levaram a punições
severas aos envolvidos na trama, mas resguardou o valor maior da
liberdade de imprensa - justamente porque foi a própria imprensa soube
se autopoliciar.
Vamos ver como se comportará a nossa, quando novos detalhes dessa parceria Cachoeira-Veja vierem à tona.
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