Entrevista do jurista alemão Claus Roxin sobre teoria do domínio do fato
OAB RJ
Fonte: redação da Tribuna do Advogado
Entrevista concedida à Tribuna do Advogado de novembro.
OAB RJ
Fonte: redação da Tribuna do Advogado
A teoria do domínio do fato foi citada recentemente no julgamento da
Ação Penal 470. Poderia discorrer sobre seu histórico, fazendo uma breve
apresentação?
A teoria do domínio do fato não foi criada por mim, mas fui eu quem a
desenvolveu em todos os seus detalhes na década de 1960, em um livro com
cerca de 700 páginas. Minha motivação foram os crimes cometidos à época
do nacional-socialismo.
A jurisprudência alemã costumava condenar como partícipes os que haviam
cometido delitos pelas próprias mãos - por exemplo, o disparo contra
judeus -, enquanto sempre achei que, ao praticar um delito diretamente, o
indivíduo deveria ser responsabilizado como autor. E quem ocupa uma
posição dentro de um aparato organizado de poder e dá o comando para que
se execute a ação criminosa também deve responder como autor, e não
como mero partícipe, como rezava a doutrina da época.
De início, a jurisprudência alemã ignorou a teoria, que, no entanto, foi
cada vez mais aceita pela literatura jurídica. Ao longo do tempo,
grandes êxitos foram obtidos, sobretudo na América do Sul, onde a teoria
foi aplicada com sucesso no processo contra a junta militar argentina
do governo Rafael Videla, considerando seus integrantes autores, assim
como na responsabilização do ex-presidente peruano Alberto Fujimori por
diversos crimes cometidos durante seu governo.
Posteriormente, o Bundesgerichtshof [equivalente alemão de nosso
Superior Tribunal de Justiça, o STJ] também adotou a teoria para julgar
os casos de crimes na Alemanha Oriental, especialmente as ordens para
disparar contra aqueles que tentassem fugir para a Alemanha Ocidental
atravessando a fronteira entre os dois países. A teoria também foi
adotada pelo Tribunal Penal Internacional e consta em seu estatuto.
Seria possível utilizar a teoria do domínio do fato para fundamentar a
condenação de um acusado, presumindo-se a sua participação no crime a
partir do entendimento de que ele dominaria o fato típico por ocupar
determinada posição hierárquica?
Não, de forma nenhuma. A pessoa que ocupa uma posição no topo de uma
organização qualquer tem que ter dirigido esses fatos e comandado os
acontecimentos, ter emitido uma ordem. Ocupar posição de destaque não
fundamenta o domínio do fato. O 'ter de saber' não é suficiente para o
dolo, que é o conhecimento real e não um conhecimento que meramente
deveria existir. Essa construção de um suposto conhecimento vem do
direito anglo-saxônico. Não a considero correta.
No caso de Fujimori, por exemplo, ele controlou os sequestros e
homicídios que foram realizados. Ele deu as ordens. A Corte Suprema do
Peru exigiu as provas desses fatos para condená-lo. No caso dos
atiradores do muro, na Alemanha Oriental, os acusados foram os membros
do Conselho Nacional de Segurança, já que foram eles que deram a ordem
para que se atirasse em quem estivesse a ponto de cruzar a fronteira e
fugir para a Alemanha Ocidental.
É possível a adoção da teoria dos aparelhos organizados de poder para
fundamentar a condenação por crimes supostamente praticados por
dirigentes governamentais em uma democracia?
Em princípio, não. A não ser que se trate de uma democracia de fachada,
onde é possível imaginar alguém que domine os fatos específicos
praticados dentro deste aparato de poder. Numa democracia real, a teoria
não é aplicável à criminalidade de agentes do Estado. O critério com
que trabalho é a dissociação do Direito (Rechtsgelöstheit). A
característica de todos os aparatos organizados de poder é que estejam
fora da ordem jurídica.
Em uma democracia, quando é dado o comando de que se pratique algo
ilícito, as pessoas têm o conhecimento de que poderão responder por
isso. Somente em um regime autoritário pode-se atuar com a certeza de
que nada vai acontecer, com a garantia da ditadura.
Entrevista concedida à Tribuna do Advogado de novembro.
Leia mais em: O Esquerdopata
Under Creative Commons License: Attribution
Do Blog O Esquerdopata.
Nenhum comentário:
Postar um comentário