Que papel a história reserva para os ministros do Supremo Tribunal
Federal que conduziram o espetáculo? Como eles serão lembrados no
futuro? Aos poucos, os ministros descobrem que a vida não se encerra no
Jornal Nacional, que reservou alguns segundos de fama para os juízes num
especial de 18 minutos sobre o tema.
Criminalista de renome, o advogado Antonio Claudio Mariz de Oliveira
cunhou uma frase lapidar num artigo que escreveu sobre o julgamento da
Ação Penal 470 (leia aqui). "Não pode passar sem registro
um outro aspecto extraído ou confirmado pelo julgamento do mensalão: o
poder da mídia para capturar a vaidade humana e torná-la sua refém",
disse ele.
Transmitido ao vivo, o julgamento deu ao povo brasileiro a oportunidade
rara de conhecer a personalidade de cada um dos ministros, ao mesmo tempo
em que ofereceu aos juízes uma janela para que construíssem frases de
efeito para as câmeras e para os telejornais – especialmente para o
Jornal Nacional, da Globo, que dedicou 18 minutos ao tema, às vésperas
do segundo turno.
Aos poucos, no entanto, o próprio julgamento começa a ser julgado por
pessoas de carne e osso e não pelos supostos intérpretes da "opinião
pública". E como já não há mais uma eleição na próxima esquina, o
interesse dos meios de comunicação em relação ao julgamento não é o
mesmo de antes. Outro especial de 18 minutos no JN não haverá. Os 15
segundos de fama já passaram.
Diante disso, o que resta para os juízes que conduziram o espetáculo?
Como eles serão lembrados no futuro, agora que estão descobrindo que a
história não se encerra no Jornal Nacional?
Ayres Britto se aposenta no dia 18. Sai frustrado. Não com uma "pontinha
de tristeza", mas com um iceberg de melancolia (leia mais aqui) por não
ter conseguido proclamar a sentença e mandar seus antigos companheiros
de partido – sim, Ayres Britto já foi o "Carlim do PT" – para a cadeia.
Será lembrado, no máximo, pela sua poesia de qualidade duvidosa.
Celso de Mello, o próximo a se aposentar, aproveitou os 15 segundos no
Jornal Nacional para comparar o PT a duas organizações criminosas: o PCC
e o Comando Vermelho. Mas teve o dissabor de ver lembrada a passagem do
livro de Saulo Ramos, responsável por sua indicação ao STF, sobre um
voto que deu por pressão da Folha de S. Paulo (leia mais aqui). Como
consolo, ganhou de presente o movimento "Fica, Celso", para que não se
aposente, lançado pelo insuspeito Augusto Nunes.
Marco Aurélio Mello também aproveitou seus 15 segundos no Jornal
Nacional para cunhar uma frase sob medida: a do "sintomático 13", que
indicaria o número de integrantes da quadrilha que era julgada pelo STF.
Mas demonstra um mal-estar crescente com o tribunal que emerge deste
julgamento.
Gilmar Mendes, que cultivava a imagem de um juiz destemido, sem jamais
se curvar à chamada opinião pública, terá o dissabor de ver um novo STF
se consolidar, não à sua imagem, mas à de Joaquim Barbosa, que
representa justamente a corrente do "direito achado na rua" – votando em
função daquilo "que a sociedade espera de nós".
Joaquim Barbosa, por sua vez, já vê seus dias de glória ficarem para
trás. Seu estilo irascível – e o estilo é o homem (leia mais aqui) – só é
aceito pela elite brasileira quando atinge seus adversários
ideológicos. Jamais seria aceito, por exemplo, no julgamento do mensalão
mineiro ou de casos que envolvam representantes da aristocracia
brasileira.
Já o carioca Luiz Fux será lembrado como representante máximo das
soluções de improviso – Fux era aquele que em meio a um conflito
qualquer na dosimetria sugeria que se fizesse uma média entre as penas. E
jamais será esquecida, em Brasília, uma história que corre à boca
pequena. "Mensalão? Ah, isso eu mato no peito", teria dito um ministro
durante o processo seletivo.
Dias Toffoli foi aquele que inocentou José Dirceu, mas condenou José Genoino.
Rosa Weber e Carmen Lúcia souberam, ao menos, ser discretas.
E Ricardo Lewandowski teve a coragem de ser juiz. Foi o único que
alertou para o equívoco que vinha sendo cometido em relação à doutrina
do "domínio do fato". Em importante entrevista publicada neste domingo, o
autor da teoria, Claus Roxin, afirma que essa doutrina não elimina a
necessidade de provas e que julgamentos não devem ser conduzidos pelos
meios de comunicação, como verdadeiros espetáculos.
Pois o show está chegando ao fim, as cortinas estão se fechando e,
agora, cada ministro terá que lidar com sua própria consciência.
Para quem assistiu de fora, fica a questão: ainda há juízes em Brasília?
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