Nada
contra os gramáticos e seu ofício. Mas esse Acordo Ortográfico com os
portugueses sempre pareceu forçado e inútil. Não é a ortografia que
separa as duas línguas, o português brasileiro e o português de
Portugal. É a própria visão de mundo, que se reflete na língua culta
(escrita), e na conversação coloquial.
Durante
muito tempo, a comunicação cotidiana no Brasil se fazia com a língua
geral, que desapareceu, pouco a pouco, enquanto o português brasileiro
se afirmava nos púlpitos, na poesia, nos documentos oficiais.
Enriquecida dos vocábulos ameríndios e das línguas africanas, a língua
brasileira começou a distinguir-se da que se falava em Portugal,
contaminada, com o tempo, de francesismos e anglicismos.
Entre
os grandes escritores portugueses do século 20, destacam-se alguns que
viveram no Brasil, e se deixaram influenciar pela nossa linguagem
própria, como foram, entre outros, Miguel Torga e Ferreira de Castro.
Torga passou a adolescência em Leopoldina, Minas, e Ferreira de Castro
viveu dos 12 anos até a idade adulta nos seringais e rios amazônicos. Os
dois se encontram entre os maiores escritores portugueses do século 20.
E um dos melhores livros sobre a vida amazônica da primeira metade do
século 20 é o de Ferreira de Castro, A selva. É na leitura de Saramago e
Aquilino Ribeiro, pelos brasileiros, e de Jorge Amado e Guimarães
Rosa, pelos portugueses, que os dois universos intelectuais se
encontram.
O
Acordo pode ter agradado aos que o sugeriram e trabalharam na
simplificação ortográfica, mas desagradou a grandes escritores de um e
do outro lado do Atlântico. Os jornais portugueses, e seus melhores
escritores, o rejeitam. Muitos acusam o Brasil de exercer imperialismo
cultural e econômico nas negociações do Tratado (vide o gif que ilustra
este post). Em nosso país, fora alguns gramáticos (nem todos) e alguns
jornalistas, o desagrado é geral.
Com
o abastardamento da linguagem, na redução do vocabulário e na
particular ortografia das redes virtuais, uma linguagem escrita que
assegure a reprodução exata dos fonemas é necessária, a fim de que se
preserve a linguagem e se mantenha a mesma forma culta em todo o
território brasileiro.
Sinais gráficos como o trema e o acento circunflexo são indispensáveis para manter a identidade entre as letras e os sons.
A
presidente Dilma Rousseff agiu com prudência ao prorrogar por mais três
anos a obrigatoriedade do cumprimento do Acordo. Ela atendeu à pressão
dos portugueses e dos países da CPLP, mas prestou grande serviço aos
brasileiros. Seria o caso de os nossos jornais, que entraram no jogo dos
gramáticos, voltarem à ortografia em uso.
É
de se esperar que esses três anos devolvam o bom-senso aos legisladores
daqui e “d’além-mar”, para deixar as coisas tal como elas se encontram.
Temos mais o que fazer, no Brasil e em Portugal, do que banir o trema, o
acento circunflexo e o hífen. E, sem tais recursos, fica mais difícil
aprender a falar bem, e a pensar com clareza.
Nenhum comentário:
Postar um comentário