Prefeito de São Paulo vai realizando gestão
hiperativa; em menos de três semanas no cargo, resgatou diálogo com
pobres e classe média, embargou uma obra rica, suspendeu contratos
suspeitos, atacou as enchetes, articulou-se com cidade vizinhas e abriu a
delicada discussão sobre a renegociação das dívidas municipais; além
disso, recebeu seu maior aliado e deixou-se fotografar ao lado dele;
para alguns, essa lealdade é imperdoável
Marco Damiani _247 – Qual é a novidade? Antes de completar três semanas de governo, o novo prefeito de São Paulo criou praticamente um fato administrativo por dia. Fernando Haddad iniciou sua gestão estabelecendo quase duas dezenas de providências práticas para amenizar os efeitos das chuvas sobre São Paulo. Em seguida, sem medo de caras feias, encarou pessoalmente os invasores de prédios abandonados no centro da capital, não para fazer concessões fáceis, mas para reafirmar sua proposta de construir de 55 mil casas populares até o final da gestão. Diante da classe média, enfrentou um auditório com duzentos integrantes da Rede Nossa São Paulo, sendo questionando e respondendo. Em ambos os casos, resgatou algo perdido na poeira do tempo na administração municipal, o diálogo. Com mão pesada, por outro lado, mandou embargar a construção de um prédio de luxo feito fora das regras legais na região mais nobre da cidade, o Ibirapuera. Uma herança do ex-todo poderoso Hussain Aref Saab, por longa data diretor do Departamento de Aprovação de Edificações. A respeito das áreas mais pobres, o prefeito já avisou que ordenará remoções, a serem feitas até mesmo pela Polícia Militar, de casebres instalados em áreas de risco de cheias de rios ou desmoronamentos. Com a caneta, determinou a revisão de cinco grandes contratos em vigência desde a gestão passada, suspeitos de irregularidades como superfaturamento. A partir da força do cargo, abriu na macropolítica, com o governo federal, a discussão sobre a renegociação das dívidas municipais com a União, tocando num assunto delicado para a presidente Dilma Roussef e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, mas do interesse direto e imediato de São Paulo.
Dois dias atrás, Haddad recebeu na sede municipal seu maior aliado e permitiu que se tirassem fotos do encontro – para a mídia tradicional, essa foi, sem dúvida, a grande novidade.
Pela recepção a Lula, Haddad foi chamado, nesta sexta-feira 18, de "pau mandado" pela certamente principal colunista política do jornal Folha de S. Paulo, Eliane Cantanhêde. Em editorial, o concorrente O Estado de S. Paulo descreveu a cena do ex-presidente sentado à mesa de reuniões do gabinete do prefeito para chegar, com outras palavras, à mesma conclusão da "inversão de papéis": "Fernando Haddad - eis o "pequeno detalhe" - está à disposição de Lula desde quando este o pinçou do Ministério da Educação e do celibato eleitoral para devolver ao PT o governo da maior cidade brasileira, perdido em 2004". Na véspera, O Globo, do Rio de Janeiro, destacou em sua primeira página que estava sendo aplicada em São Paulo, a partir da reunião entre Lula, Haddad e dez secretários municipais "a teoria do poste".
Nota-se pela listagem de seus primeiros atos como prefeito que Haddad fará uma administração hiperativa. Ele tem almoçado em seu próprio gabinete, vai cumprindo uma jornada diária de trabalho superior a 12 horas, despacha com entre três e quatro secretários simultaneamente, para que as áreas afins a um determinado problema ajam em coordenação e, conforme prometeu em campanha, procura ser transparente.
Para a mídia tradicional, esse prefeito real praticamente não existe. A partir de uma fotografia, ele é o "pau mandado" e segue sendo apenas "um poste".
Por outro ângulo, bem diverso do enfocado pelos jornais de papel, o que Haddad fez ao, na prática, estender a Lula o tapete vermelho da Prefeitura, não foi nada além que deveria ter sido absolutamente esperado por todos. Alguma vez Haddad encobriu o fato de que Lula é, sim, seu maior mentor e foi seu principal cabo eleitoral? Houve momento em que o prefeito deixou de expressar admiração pelo ex-presidente, com quem gosta de lembrar ter trabalhado por cinco anos diretamente? A quem Haddad procurou, logo em seguida à vitória, para agradecer pelo apoio, se não Lula no Instituto Lula, no bairro do Ipiranga?
Ao 247, na quinta-feira 17, quando já se mostravam as primeiras repercussões midiáticas das cenas de Lula em seu gabinete, o prefeito expressou surpresa. "Não reparei no que eles (os jornais) disseram, mas os jornais podem falar o que quiserem", disse. "O que foi mesmo?", perguntou ele, para abrir um leve sorriso ao saber da "teoria do poste" resgatada por O Globo. "Ora, se eu não posso receber na Prefeitura uma referência da política brasileira como o ex-presidente Lula, posso fazer o que?", rebateu, com ironia. O prefeito, além de não se preocupar com as maledicências, não vê, até agora, qualquer problema no que fez. Exatamente porque não há mesmo problema nenhum.
Como se viu, porém, a mídia tradicional gostou da fotografia produzida na reunião de uma hora com o ex-presidente. O que esse setor da sociedade na verdade não gosta é da lealdade política de Haddad para com Lula. Uma lealdade do mesmo tipo da que une a presidente Dilma Rousseff a seu antecessor. Eles fazem parte do mesmo campo político, dependem uns dos outros e não escondem de ninguém suas ligações. Qual é a novidade?
A crítica que procura impingir em Haddad o estigma do "pau mandado" poderia ter sucesso caso o prefeito não estivesse, efetivamente, cumprindo o papel para o qual foi eleito. O elenco das primeiras movimentações dele no cargo, porém, joga esse estigma por terra.
Haddad é mesmo um, digamos, lulista. Não esconde. Mas igualmente já vai se revelando um prefeito dedicado e de posições firmes. O que alguns já não querem mostrar.
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