Wilson Ferreira, Cinegnose / GGN
"A grande mídia esperou até o último instante, aguardando talvez alguma “bala de prata” que prejudicasse, suspendesse ou, no mínimo, colocasse em xeque a realização da Copa do Mundo no Brasil. Um evento que se tornou uma verdadeira dor de cabeça para uma mídia que assumiu explicitamente a oposição política. Mas a Copa vai começar e agora nada pode passar impune: uma nova etapa da guerrilha semiológica iniciada no ano passado se inicia. A pauta negativa, “recomendação” interna da TV Globo para todos os jornalistas na cobertura da Copa, revela uma novidade no paiol das bombas semióticas: a não-notícia. Produto das revistas de celebridades e das coberturas esportivas extensivas como Olimpíadas e Copa do Mundo, elas agora estão sendo turbinadas politicamente por meio de duas estratégias semióticas: fazer o espectador confundir causa e efeito dos acontecimentos e a armadilha da generalização nas indefectíveis enquetes.
"A grande mídia esperou até o último instante, aguardando talvez alguma “bala de prata” que prejudicasse, suspendesse ou, no mínimo, colocasse em xeque a realização da Copa do Mundo no Brasil. Um evento que se tornou uma verdadeira dor de cabeça para uma mídia que assumiu explicitamente a oposição política. Mas a Copa vai começar e agora nada pode passar impune: uma nova etapa da guerrilha semiológica iniciada no ano passado se inicia. A pauta negativa, “recomendação” interna da TV Globo para todos os jornalistas na cobertura da Copa, revela uma novidade no paiol das bombas semióticas: a não-notícia. Produto das revistas de celebridades e das coberturas esportivas extensivas como Olimpíadas e Copa do Mundo, elas agora estão sendo turbinadas politicamente por meio de duas estratégias semióticas: fazer o espectador confundir causa e efeito dos acontecimentos e a armadilha da generalização nas indefectíveis enquetes.
Desde as grandes manifestações de junho do ano passado, a grande
mídia (que de início execrou como vandalismo e infantilismo político
para, logo depois, procurar inseri-las no plot narrativo da oposição na
proximidade de ano eleitoral – mensalão, PEC 37 etc.) mobilizando uma
pesada artilharia semiótica de construção de textos e imagens que
sintetizem em um frame, fotograma, parágrafo, legenda de foto etc. um
conjunto de percepções e fragmentos ideológicos. Chamamos esse arsenal
de recursos retóricos e semiológicos de “bombas semióticas”.
Ao longo desse período detectamos diversos tipos de bombas: dessimbolizações, infotenimento, a black bloc good bad girl, fotos-choques, cavalos de Tróia, guerrilha de memes, exploração fetichista de animais e mulheres, tomates e inadimplência. Isso sem falar de acidentes com jornalistas no momento em que montavam bombas como, por exemplo, o caso da bomba semiótica do Enem ou a “barrigada” darepórter da rádio CBN que via no campus da USP mensagens cifradas análogas às do tráfico de drogas nos morros do Rio de Janeiro. Essa variedade de bombas semióticas teve um objetivo em comum: manter a opinião pública em estado de constante tensão em um País supostamente à beira do abismo econômico e em situação pré-insurrecional.
Desde junho do ano passado uma variedade de bombas semióticas assolaram a opinião pública |
Ao longo desse período detectamos diversos tipos de bombas: dessimbolizações, infotenimento, a black bloc good bad girl, fotos-choques, cavalos de Tróia, guerrilha de memes, exploração fetichista de animais e mulheres, tomates e inadimplência. Isso sem falar de acidentes com jornalistas no momento em que montavam bombas como, por exemplo, o caso da bomba semiótica do Enem ou a “barrigada” darepórter da rádio CBN que via no campus da USP mensagens cifradas análogas às do tráfico de drogas nos morros do Rio de Janeiro. Essa variedade de bombas semióticas teve um objetivo em comum: manter a opinião pública em estado de constante tensão em um País supostamente à beira do abismo econômico e em situação pré-insurrecional.
Mas agora quando a agenda nacional passa a ser dominada pela Copa do
Mundo, entra em cena uma nova bomba semiótica: a da não-notícia. A
grande mídia caiu em si que não só vai ter Copa, mas como também
manifestações de protestos podem ficar isoladas ou, no mínimo,
deslocadas na opinião pública em relação ao evento esportivo
internacional.
Por isso, entra em ação a pauta negativa da cobertura da Copa para
comprovar para todos que será um fracasso de gerenciamento,
administração e organização. O problema é que os estádios ficaram
prontos, as seleções chegam ao país sem atropelos ou gafes
organizacionais. Alguns até elogiaram a rapidez dos serviços de
aeroportos... – sobre isso clique aqui.
“Eu crio as circunstâncias”
Mas a pauta negativa tem que se impor e os pobres repórteres têm que
exercer toda a sua criatividade na angulação das matérias, na edição das
declarações, no enquadramento da fotografia etc. – como ficou evidente
no memorando interno da TV Globo para os editores evitarem a pauta
positiva na Copa – clique aqui.
No início procuraram fazer a coisa mais óbvia: concentrar-se em um
mínimo defeito como o vazamento do banheiro, a escada rolante quebrada, a
conexão da Internet que é instável no estádio e assim por diante.
Porém, isso não era impactante o suficiente. Principalmente porque a
estrutura da Copa começa a funcionar, para contrariedade da grande
mídia.
E então, o que fazer? Como dizia Napoleão: “Circunstâncias? Eu crio
as circunstâncias”. Se as notícias negativas escasseiam e as angulações
não são mais o suficiente, criam-se não-notícias: repercutir um fato que
a própria emissora criou, a partir de um episódio cuja causalidade é
absolutamente banal ou natural. Repercutida com as devidas estratégias
de retórica, o episódio toma ares de denúncia e furo de reportagem.
Um exemplo dessa nova bomba semiótica pode ser acompanhada na edição
do jornal Estado de São Paulo de 05/06 na primeira página do caderno
especial sobre a Copa 2014 - veja foto acima. Somos impactados com as
letras garrafais “Frustração” sobre uma foto que ocupa mais da metade da
primeira dobra onde vemos uma confusão de pessoas em uma espécie de
fila desorganizada. Acima, nas chamadas de matérias internas, mais
desalento: “Ruas sem enfeites” sobre um suposto desinteresse dos
moradores enfeitarem casas e ruas com as cores nacionais; e “Sinal
Amarelo” sobre um suposto jejum de gols do centroavante Fred que
preocuparia – para contrariar a pauta, Fred fez o gol da vitória no
amistoso contra a Sérvia na sexta-feira.
Na matéria principal, a perfeita não-notícia. O foco da matéria é
“frustração” e “confusão” na venda de ingressos do último lote oferecido
pela FIFA. Descreve que em uma hora os ingressos para os jogos
principais foram vendidos no site da entidade. Fala em “fila virtual” e
“dificuldade em acesso”. E quem foi ao Ibirapuera enfrentar a fila,
descobriu que só restavam ingressos para os jogos “menos atraentes”.
Pergunto ao leitor: onde está a notícia? A frustração e a confusão foram
causadas por uma grande demanda de busca por ingressos como ocorre em
qualquer grande evento, da Copa do Mundo a São Paulo Bike Tour, onde o
site desse evento ficou congestionado de acessos de ciclistas tentando
ganhar uma bicicleta promocional.
Ou o que dizer então da verdadeira obsessão da TV em postar uma
câmera na entrada dos torcedores tanto no estádio da Arena Corinthians
como no jogo em Feira de Santana Santos X Bahia para mostrar as filas
como um sintoma natural da desorganização tanto do futebol brasileiro
como na Copa como fenômeno de contágio. Ora, se todos chegam ao mesmo
tempo formar-se-ão filas.
"Parceiro" do SPTV: a não-notícia do congestionamentono entorno da Arena Corinthians |
Outra não-notícia observamos na edição de 05/06 na edição do SPTV
quando o telejornal mobilizou “parceiros” da Zona Leste - reportagens
feitas por moradores de diferentes regiões de São Paulo supervisionadas
por jornalistas da emissora. “Chegada à Arena Corinthians causa
congestionamento”, dizia o repórter-parceiro que tentava chegar ao
estádio de carro. No final da matéria, informava que a CET havia
recomendado aos torcedores irem ao jogo através de transporte público,
evitando os carros. Então, qual era a notícia? A matéria apenas
confirmava o que a engenharia de tráfego tinha informado no dia
anterior.
Mas, com a câmera no interior do carro no estilo “por dentro da
notícia”, a matéria adquiria um tom de “denúncia” e “flagrante”.
Estratégia retórica para turbinar a não-notícia.
A semiótica da não-notícia
Nas suas origens, a não-notícia é um produto direto daquilo que se
chama infotenimento (informação + entretenimento), uma combinação entre
as hard news (informação mais “seca”) com estilo narrativo e
retórico que beira o ficcional e produz entretenimento. O crescimento e a
complexidade industrial das mídias exige uma sociedade “acontecedora”
que produza um fluxo constante de acontecimentos para produzir notícias e
espaços editoriais que justificam a inserção dos anunciantes.
Origens das não-notícias em eventos extensoscomo Copa do Mundo e Olimpíadas |
Ela é o produto direto das revistas de celebridades, sejam
esportivas, artísticas, empresariais ou políticas. Principalmente em
coberturas tão extensivas como Copa do Mundo e Olimpíadas onde
jornalistas, obrigados a fazerem muitas entradas ao vivo, criam
verdadeiras não-notícias: jornalista entrevistando outro jornalista,
jornalista brincando ou fazendo apostas com jogadores (na Copa de 90 o
repórter Elia Junior da Band chegou a fazer cobranças de pênaltis no
goleiro Taffarel) etc.
Porém, a bomba semiótica da não-notícia mobilizada para as coberturas
da Copa acrescenta um fator semiótico inédito: fazer o
leitor/espectador confundir causa com efeito. Causas como grande a
concentração simultânea de torcedores ou a opção em privilegiar
transporte público em detrimento dos carros transformam-se em efeitos de
desorganização da logística do evento. Ou o inverso: “filas virtuais” e
“físicas”, efeitos do excesso de procura de um bem escasso e valioso
(os ingressos) transformam-se em causas de “frustrações”.
Acabar ingressos dos principais jogos devido a grande demanda é um
fato banal e previsível numa economia regida pelas leis de oferta e
procura. Mas a retórica visual da não-notícia (câmeras que tremem,
grande concentração de torcedores, a presença normal de policiais
militares, a qualidade da imagem precária como fossem produzidas por
celular) esquenta a não-notícia, criando uma simulação de hard news."
Matéria Completa, ::AQUI::
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