Que “Veja” e Tevê Globo, por força de seu proselitismo de extrema
direita, inventem um escândalo relacionado com a CPI da Petrobrás para
desacreditar o Governo, nada de novo. Que os dirigentes do Senado e da
dita CPI levem isso a sério, ao ponto de determinar investigações, é
extremamente grave. Significa que não há um processo preliminar de
avaliação de pseudo-denúncias pelo qual alguém que ostente a credencial
de Senador da República acabe passando o recibo de ser um simples
idiota.
Já fui secretário de CPI da Câmara dos Deputados. Era comum que fizesse
uma lista de perguntas sobre questões específicas aos depoentes. Meu
interesse, na condição de auxiliar da instituição CPI, era o
esclarecimento de fatos e de situações de seu interesse. Jamais passaria
pela minha cabeça esconder minhas perguntas. Não estava num programa
de pegadinhas na televisão. Meu interesse não era forçar contradições
do depoente, mas colocá-lo diante de questionamentos objetivos para
trazer a verdade à tona.
Já auxiliei pessoas a prestarem depoimentos em CPI ou a participarem de
debates públicos. Meu papel, nesses casos, tem sido o de simular à
exaustão respostas a possíveis perguntas ou respostas a diferentes
questionamentos de conhecimento público, incluindo prováveis provocações
por interesses escusos. Só um idiota vai para uma inquirição pública
ou debate sem alguma forma de preparação. Em geral, nossa memória é
fraca. E numa situação em que há algum nível de hostilidade ideológica,
todo cuidado é pouco.
O “crime” postulado por “Veja” e catapultado em nível nacional pela
Globo, num conluio explícito para desacreditar o Governo, consiste na
afirmação de que depoentes vinculados à Petrobrás tiveram acesso a
perguntas que seriam feitas na CPI. Ora, ou essas perguntas são
objetivas, visando a algum esclarecimento efetivo, ou são pegadinhas,
para forçar contradição do depoente. No primeiro caso, a antecipação da
pergunta, se houve, não teria qualquer efeito no esclarecimento dos
fatos. Contudo, se é uma pegadinha, não tem nenhum efeito objetivo
sobre o curso da CPI, exceto, talvez, a humilhação episódica do
depoente.
Entretanto, essa não é propriamente a questão, mas seu contexto. O
fundamental é que não se pode fazer uma investigação no Senado sobre
algo que não existe. Acaso seria crime um depoente ter acesso a
perguntas a que seria submetido? Acaso preparar um depoente para
responder perguntas na CPI seria crime? Onde está a fraude? Preparar-se
adequadamente para uma CPI honra a instituição do Congresso. O depoente
poderia simplesmente chegar lá e calar-se. Naturalmente que, para
“Veja” e Tevê Globo, o espetacular, para mexer com a emoção do povo,
seria que alguém, pego de surpresa, cometesse o percalço de confessar
algum crime na CPI a fim de que saísse de lá com algemas. Isso, já se
viu, não acontecerá na CPI da Petrobrás simplesmente porque não houve
crime. Portanto, é preciso inventar algum na sua periferia.
No meu tempo de jornalismo, inaugurei no Brasil o jornalismo
investigativo na área econômica denunciando vários escândalos
financeiros do período da ditadura, ainda na ditadura. Era um trabalho
solitário. Não havia ajuda da Polícia Federal, que na época só se
preocupava em prender comunistas; não havia apoio do Ministério Público e
da própria Justiça (com raríssimas exceções), serviçais do poder
militar; ou do próprio conjunto da imprensa, que se mantinha omissa com
medo do Governo ou do anunciante. Não obstante, com o apoio de meu
jornal, pude enfrentar grandes blocos de poder político e econômico pela
razão elementar de que tinha uma premissa: na denúncia, é preciso ter
um código de ética que leve em conta a solidez das provas, a clareza do
crime ou da irregularidade, e a inequívoca identidade dos autores.
O código de “Veja” é diferente. Em vez de provas, basta-lhe uma
gravação que algum agente desonesto da Polícia ou um espião privado lhe
entreguem comprometendo, num contexto nebuloso, alguma pessoa suspeita
de governismo; é totalmente dispensável identificar a ação denunciada
como crime ou irregularidade; os autores podem ser difusos, desde que
comprometam de alguma forma o Governo. Assim, coma gravação deturpada de
um lado e o apoio da Tevê Globo do outro, “Veja” produz um escândalo
com som retumbante o suficiente para que o Senado a leve a sério.
Em três livros sobre a patologia dos escândalos da era autoritária — A
Chave do Tesouro, Os Mandarins da República e A Dupla Face da Corrupção
—, em vez de me limitar à história dos escândalos em si, procurei
mostrar a institucionalidade que permitiu sua eclosão. Vou fazer o
mesmo, resumidamente, para que se entenda a patologia dos “escândalos”
denunciados por Veja. A revolução da informática expulsou os jornais da
notícia; como reação, o jornalismo escrito tenta se refugiar na
análise. A revista ficou com seu espaço diminuído, porque está distante
da notícia (diária) e com pouca eficácia na análise, campo dividido
com os jornais. Como consequência, seu campo favorito tornou-se o
escândalo. Notem que, de duas em duas semanas, “Veja” expõe um, às
vezes elevando roubo de galinha a categoria de grandes escândalos.
Quando nem isso existe, ela inventa. Daí a “fraude” na CPI.
P.S. Para que não me interpretem equivocadamente, devo dizer
que não sou governista, não sou do PT nem apoio integralmente a
política do PT. Admiro as políticas sociais dos governos Lula e Dilma,
mas discordo de sua política macroeconômica, que considero responsáveis
pelo mau desempenho da economia brasileira. Não obstante, não saio por
aí inventando escândalos para dar suporte a candidatos neoliberais de
extrema direita na atual disputa eleitoral.
J. Carlos de Assis -
Economista, doutor em Engenharia de Produção pela Coppe-UFRJ, professor
de Economia Internacional da UEPB, autor de mais de 20 livros sobre
economia política brasileira.
No GGN
* * *
Perícia comprova: Veja fraudou fita da CPI
Uma perícia contratada pelo senador
Delcídio Amaral (PT/MS) demonstra que a revista Veja editou a fita que
motivou a capa da última semana, sobre uma suposta farsa na CPI da
Petrobras; "Do arquivo analisado separamos segmentos que demonstram a
edição do mesmo, sendo claramente perceptível pelo menos duas
interrupções na sequência das falas", diz a análise do IPC, o principal
instituto de perícias do Mato Grosso do Sul; "O uso de palavras
separadas de sua sequência original pode trazer interpretação destoante
do efetivo contexto em que teriam sido empregadas"; ontem, em
entrevista, o ministro Ricardo Berzoini defendeu que Veja apresente a
íntegra de sua fita gravada com uma caneta espiã; a revista da Marginal
Pinheiros aceitará o desafio?
O laudo elaborado pelo Instituto de Perícias Científicas de Mato Grosso
do Sul revela que a gravação da conversa entre dois funcionários da
Petrobras – José Eduardo Barrocas e Bruno Ferreira – e uma outra pessoa
não identificada, divulgada esta semana pela revista Veja, foi editada, o
que compromete qualquer avaliação sobre a participação de senadores em
uma suposta tentativa de fraudar os trabalhos da CPI da Petrobras,
conforme denunciado com alarde pela revista.
O documento, assinado pelo perito Fernando Klein, conclui , com base na
análise feita na gravação disponibilizada pela Veja em seu site na
Internet, com duração de 2 minutos e 40 segundos, que não há uma
sequência lógica que permita vincular o senador Delcídio do Amaral
(PT/MS) a eventual orientação repassada aos depoentes da CPI da
Petrobras, uma vez que no momento imediatamente anterior à citação do
nome "Delcídio" na conversa há uma interrupção de 1 minuto e 14 segundos
na gravação, o que comprova a montagem.
O laudo esclarece que o uso de arquivo editado pode trazer interpretações equivocadas em relação ao contexto de todo um diálogo.
"Do arquivo analisado separamos segmentos que demonstram a edição do
mesmo, sendo claramente perceptível pelo menos duas interrupções na
sequencia das falas, a primeira com 1 minuto e 12 segundos e a outra com
1 minuto e 30 segundos. O uso de palavras separadas de sua sequência
original pode trazer interpretação destoante do efetivo contexto em que
teriam sido empregadas. Dessa forma, não há credibilidade para a
interpretação do conteúdo e da aplicação dos diálogos constantes na
gravação de 2 minutos e 40 segundos disponibilizada no sítio eletrônico
da revista Veja, dada a evidente edição do mesmo", assegura o perito.
O IPC é o maior e mais conceituado instituto de perícias de Mato Grosso
do Sul. Ele é responsável por pelo menos 70 % de todas as investigações
periciais requisitadas pela Justiça no estado.
Nesta quarta-feira, em entrevista, o ministro Ricardo Berzoini, das
Relações Institucionais, defendeu que Veja apresente a íntegra de sua
fita gravada com uma caneta espiã (leia aqui).
Confira, abaixo, a conclusão da perícia:
Com base nos elementos materiais analisados no presente Parecer Técnico, conclui este Perito Extrajudicial que, mediante análise do arquivo disponibilizado no endereço eletrônico: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/gravacoescomprovam-cpi-da-petrobras-foi-uma-grande-farsa, com duração de 2min 40seg, não há uma sequência lógica para o arquivo que permita qualquer vínculo do CONTRATANTE [senador Delcídio Amaral] a eventual orientação repassada aos depoentes da CPI da Petrobrás, uma vez que no momento imediatamente anterior à citação de DELCÍDIO, há uma interrupção de 1min 14seg no arquivo editado.
No 247
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