Momentos antes da candidatura de Marina Silva ser oficializada, em
evento anunciado para a tarde desta quarta-feira, mas que prolongou-se
noite adentro, o Partido Socialista Brasileiro enfrentava um ambiente
menos festivo do que se poderia imaginar. Para além de toda dor
provocada pela morte de Eduardo Campos, um líder que soube se impor pela
força de mando mas também pela capacidade de oferecer respostas
políticas que agradaram a maioria do partido, ficou uma questão grande
demais para ser ignorada, mas grave demais para ser discutida
abertamente. A candidata não é do PSB, não pensa como o PSB, não tem
amigos no PSB nem irá governar, em caso de vitória, com o PSB.
Perdemos a eleição hoje, disse um auxiliar dos socialistas, subindo as
escadas da sede nacional do PSB, em Brasília — que fica numa sobreloja
da Asa Norte, num conjunto de salas que, pelo caráter austero, lembra
uma escola de computação. “O que é combinado não é caro,” afirmou o
governador do Espírito Santo, Renato Casa Grande, ao chegar, depois de
participar, no Lago Sul, de uma reunião de dirigentes do partido com a
própria Marina. Nem todos os detalhes do acordo entre Marina e o PSB são
conhecidos e é provável que muitos deles jamais se tornem públicos. O
certo é que, ao longo do dia, os dirigentes do PSB se encarregaram de
amassar e colocar na lata do lixo uma ideia exótica que havia circulado
na véspera — a de obrigar a candidata a assinar uma carta com
compromissos com o partido sob condição de garantir sua candidatura.
Marina Silva não se tornou candidata presidencial porque o PSB queria
mas porque não possuía outra opção. Ainda que a candidatura de Eduardo
Campos desse a impressão de ter chegado a seu teto sem mostrar-se
competitiva — pelo menos antes do início do horário político — seu
circulo próximo nunca deixou de acreditar em suas próprias chances de
ganhar a presidência da República. A tese é conhecida: Eduardo seria
capaz de bater Aécio no primeiro turno em função do desgaste tucano e,
na segunda fase, carregar os votos do PSDB para vencer Dilma. Embora
vista com relativa incredulidade fora do PSB, em suas fileiras essa
visão era alimentada e repetida cotidianamente, numa narrativa que o
jornalista Alon Feuerwerker, coordenador da campanha, conseguia defender
com lucidez e argumentos racionais.
Se era assim com um candidato que nos bons momentos das pesquisas mal
chegava perto dos dois dígitos de intenção de voto, não é difícil pensar
que Marina possa conseguir a mesma coisa. Ela não só obteve o dobro em
2010 como deixou as pesquisas — quando oficialmente também deixou de ser
candidata — com 27& das preferências. A Marina de 2014 não é a
mesma de 2010. É aquela que pode ser vitaminada pelos protestos de 2013,
que enxerga em sua candidatura um caráter anti-sistema e anti-políticos
— e até agora não deu mostras de fazer qualquer objeção a presença de
um núcleo de auxiliares ultra-conservadores que têm dado as cartas nos
debates econômicos, aquela área de qualquer governo que envolve
salários, emprego, programas sociais e outras decisões que afetam para
melhor ou para pior a vida da população mais pobre.
O PSB tentou resistir a Marina e fez isso enquanto era possível imaginar
que se tratava de uma perspectiva realista. Durou pouco. No ano
passado, o senador Rodrigo Rollemberg, candidato ao governo do Distrito
Federal, foi quem levou a Eduardo Campos o recado de que, após a
reprovação da Rede no TSE, Marina Silva mandava dizer que queria
preencher a ficha do partido — e ouviu, como primeira reação, uma
pergunta que ficaria célebre: “você já bebeu?” Em 2014, candidato junto a
um eleitorado fiel a Marina, qualquer que seja seu partido, Rollemberg
foi um dos raros partidários de sua candidatura presidencial no primeiro
momento. Outros dirigentes, com peso e liderança, vieram depois. Eles
temiam ser prejudicados pelo boicote de Marina a suas alianças, como o
acordo com Geraldo Alckmin em São Paulo.
A rendição a nova candidatura se fez em nome da mais preciosa e fugaz
mercadoria da vida política. Não é o poder, como muitos pensam. Mas a
perspectiva de poder, como já entenderam os profissionais do ramo. Se o
poder impõe limites e restrições, pois é preciso fazer escolhas, definir
prioridades e dizer “não”, por mais que isso seja desagradável, a
perspectiva do poder contém uma aura de sonho, de alcance infinito. Foi
por causa dela que os socialistas não puderam recusar o apoio a Marina e
deram aquele passo em que mesmo uma eventual vitória também irá
significar uma estranha derrota, com a qual não contavam — pelo menos
agora.
Paulo Moreira Leite é diretor do 247 em Brasília. É também
autor do livro "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em
Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA, IstoÉ e Época.
Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".
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