Luciano Martins Costa, Observatório da Imprensa
"Toda a imprensa brasileira parou na quinta-feira (27/11) para
acompanhar a primeira entrevista coletiva dos futuros comandantes da
política econômica. Nas principais emissoras de rádio e nos canais
noticiosos da televisão, o assunto dominou o período até o último
programa, e na sexta-feira (28) os jornais fazem a retrospectiva das
declarações, com as interpretações a cargo dos porta-vozes de praxe.
O conjunto do material jornalístico que um ser humano pode acessar
nesse dia de trabalho é composto quase exclusivamente por declarações. A
palavra, principalmente aquela que é proferida num sentido esperado
pela comunidade da imprensa, ganha poder de imagem, e mesmo frases
dúbias por sua natureza ou intencionalmente ambíguas ganham ares de
sentença. Então, a mídia tradicional conclui: a presidente da República
se rendeu à lógica do mercado.
A entrevista de Joaquim Levy, futuro ministro da Fazenda, Nelson
Barbosa, que vai para o Planejamento, e Alexandre Tombini, que continua
no comando do Banco Central, mostrou um trio afinado, pelo menos no
discurso. E esse “pelo menos” é maximizado no noticiário e no opiniário
dos jornais, que apostam numa guinada na política econômica.
Alguns articulistas chegam a afirmar que o segundo mandato da
presidente Dilma Rousseff vai se parecer mais com as propostas do
candidato que ela derrotou na última eleição do que com seu programa de
governo. No entanto, não há nada no conteúdo das declarações que
justifique tal interpretação.
As respostas dadas pelos entrevistados, principalmente as do futuro
titular da Fazenda, sobre o qual pesavam as maiores expectativas, foram
mornas, superficiais, planejadas para funcionar como calmantes sobre o
mercado. E a imprensa as sobrevaloriza, tentando dar um tom definitivo a
expressões genéricas centradas no senso comum.
Basicamente, os futuros ministros disseram que “o Ministério da Fazenda
reafirma o compromisso com a transparência”; “o dia a dia vai mostrar
quanta autonomia a equipe econômica vai ter”; e “o equilíbrio da
economia é feito para garantir o avanço das política sociais”.
Trocando em miúdos, o que se afirmou é que a política econômica seguirá
perseguindo a meta do crescimento com justiça social, com mais clareza
quanto ao controle dos gastos públicos.
Brasil, Venezuela
Com exceção da Folha de S.Paulo, que foi buscar opiniões
negativas sobre as possibilidades de entrosamento de Joaquim Levy, tido
como mais conservador, com Nelson Barbosa e Alexandre Tombini, mais
afinados com o modelo petista, os jornais parecem otimistas. De modo
geral, o noticiário e as opiniões de analistas escalados para refletir o
pensamento da imprensa conduzem a uma visão positiva diante do desafio
de superar as dificuldades conjunturais e evitar que as agências de
avaliação de risco venham a rebaixar a nota brasileira no próximo
semestre.
O desejo de ver suas teses aceitas pelo governo faz com que a imprensa
leia nas palavras dos futuros ministros uma realidade que não conseguiu
impor com seu protagonismo na eleição presidencial. O cenário econômico é
escorregadio, e uma declaração tem o poder de induzir os ânimos para
cima ou para baixo na escala das expectativas. Portanto, não se pode
fazer profecias a partir de uma entrevista claramente planejada para
desanuviar o ambiente.
Mais interessante é observar como a mídia tradicional busca se
satisfazer com o verbo, ou seja, como a imprensa brasileira vive
infantilmente presa ao prazer da oralidade, talvez como reflexo de certa
imaturidade da própria sociedade. Essa tendência de tomar por real o
que é meramente declaratório tem efeito nas instituições, cujos
representantes eventualmente são tomados por alucinações criadas pela
palavra.
Veja-se, por exemplo, o caso relatado pela Folha, sobre um
procurador do Ministério Público Federal de Goiás, que abriu uma
sindicância para apurar suposta ação do governo da Venezuela para
alistar adolescentes e crianças brasileiras em “brigadas bolivarianas de
comunicação”. O nobre procurador não se deu conta de que o comunicado
do Ministério das Comunas da Venezuela – equivalente ao nosso Ministério
das Cidades –, publicado em 2011, se referia a um bairro chamado
Brasil, da cidade de Cumaná, no estado venezuelano de Sucre.
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