segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

A vida sem jornal

“Se os jornais acabarem – como dizem – onde vou embrulhar os meus abacates para amadurecer?”
"Pelo visto, estamos correndo o risco de ficar sem a Folha, o Estadão, o Globo... 

Alberto Villas, CartaCapital

Sábado passado, trouxe na sacola da Quitanda, três abacates bem verdes. A ideia da minha mulher era fazer uma guacamole mais pro final da semana.

Como estavam duros, bem duros, resolvi embrulhá-los em folhas de jornal, como fazia minha mãe quando as bananas que comprava do bananeiro que passava na porta da minha casa, ainda estavam verdes.

Fui na sala, peguei algumas páginas já lidas da Folha de S.Paulo e, cuidadosamente, embrulhei um a um, os três abacates. Saquei o iPhone do Bolso e cliquei uma foto, uma composição com outras frutas ao fundo.

Resolvi postar no Face, fazendo a seguinte pergunta: “Se os jornais acabarem – como dizem – onde vou embrulhar os meus abacates para amadurecer?”
Era apenas uma brincadeira.

Em poucos minutos, oitenta e um amigos tinham curtido e nove comentado. Quase todos eles concordando com o fim dos jornais, apenas uma lamentava.

Fiquei um pouco assustado, eu que ainda abro a porta da minha casa todas as manhãs e pego, em cima do capacho, o meu exemplar de jornal de papel.

Quando éramos pequenos, o meu pai infernizava os cinco filhos dizendo que todos nós precisávamos ler jornal. “Uma pessoa bem informada, vale por dez”, dizia ele. Todos os dias, ele nos aconselhava a ler aquelas notícias todas no Estado de Minas, que ainda era em preto e branco.

Era o Jânio renunciando, os comunistas dividindo Berlim com um muro, os cosmonautas soviéticos indo pro espaço, o Vietnã já em clima de guerra e a bossa-nova sendo aplaudida de pé no Carnegie Hall de Nova York.

Era tempo de John Kennedy, Winston Churchill, Ernesto Che Guevara, Martin Luther King, Pelé, Garrincha, Didi, Rudolf Nureyev e Bob Dylan cantando Blowin’ In  The Wind.

Foi graças à insistência do meu pai que acostumamos a ler jornal durante toda a vida. Naqueles anos, sem computador, ninguém falava que os jornais poderiam morrer um dia. Começaram a falar de uns anos pra cá, quando muita gente passou a ler as notícias na Internet e cada vez menos, no jornal de papel. Aquele jornal que, quando eu era criança, saia tinta nas mãos. O meu pai brincava que o Notícias Populares era diferente, saia sangue.

Um pouco angustiado com os comentários no Face, resolvi perguntar inbox para algumas pessoas, porque elas não estavam mais lendo jornal. Algumas respostas:

Não leio mais jornal porque não tem nada de novo.

Os jornais só mentem.

Só compro a Folha domingo pra ler o Antônio Prata.

Os jornais começaram a acabar quando proibiram os feirantes de embrulhar o peixe neles.

Eu só costumo ler o  horóscopo do Estadão.

Não tenho mais tempo nem saco para ler jornal.

Já viu como o Globo está reacionário?

Ler jornal pra quê? Pra se aborrecer?

Os jornais viraram folhetos tucanos.

Deixei de ler O Globo para não me irritar com o Rodrigo Constantino.

Meu pai assinava o Estadão. Agora que ele deixou de assinar, parei de ler jornal.

Só leio jornal gringo.

Ainda compro o Lance, de vez em quando.

Gostava do Jornal do Brasil. Acabou, parei de ler.

Não preciso mais de jornal para me informar.

Parei de ler porque só me irritava.

Só compro jornal por causa das palavras cruzadas, que minha vó gosta. Se parar de comprar, ela me mata.

Um, em tom de brincadeira, me respondeu o seguinte:

Sem jornal, como vou fazer para embrulhar os meus abacates verdes?"

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