segunda-feira, 1 de março de 2010

Santiago sobreviveu!

Atualizado e Publicado em 01 de março de 2010 às 10:27

por Luiz Carlos Azenha, de Santiago, via R7

Se fosse apenas um filme, não uma tragédia, seria justificável o comentário de uma colega jornalista, que encontrei na portaria de um hotel da capital chilena: “Sinceramente, eu esperava mais”.

Talvez seja uma marca deste século midiático: medimos as tragédias pela capacidade que elas têm de gerar público e manchetes espalhafatosas para preencher os espaços entre os comerciais.

Pois a manchete, então, é a seguinte: Santiago sobreviveu!

Com hematomas, com certeza. O aeroporto fechou, o metrô também, passarelas de rodovias e alguns prédios mais antigos desabaram, vários serviços ficaram paralisados.

Mas no momento em que escrevo esse texto, menos de 48 horas depois do terremoto, a cidade nem parece que enfrentou o maior tremor dos últimos 50 anos.

Sim, há os inconvenientes para nos lembrar de como nos tornamos dependentes das comodidades da vida moderna, como a internet, o telefone celular e a água quente.

No hotel de executivos em que estou hospedado, bem pertinho do palácio presidencial de La Moneda, não há água quente para os banhos — o fornecimento de gás continua cortado — e os elevadores não estão funcionando.

Subir sete andares de escadas pode parecer traumático para quem acaba de completar uma viagem de 8 horas de automóvel desde Mendoza, na Argentina, único jeito de chegar à capital chilena.

Mas não podemos esquecer que há menos de 48 horas esta cidade foi chacoalhada por um terremoto de 8,8 pontos na escala Richter. E Santiago funciona, ainda que aos trancos.

Conversando com um turista brasileiro, sem querer ele me explicou o motivo do “sucesso” de Santiago, que pode parecer trágico para os marinheiros de primeira viagem: o prédio do hotel em que estamos hospedados chacoalhou. Que é exatamente o que se espera de um prédio bem construído em uma região sujeita a terremotos: que chacoalhe, mas não desabe.

Deixo Santiago por um instante e mentalmente me transporto ate Tóquio, onde fiz uma grande reportagem em 2001: estive embaixo de um prédio altíssimo que incorporava molas gigantescas à sua estrutura, justamente para dar à construção mais flexibilidade nos tremores. É o famoso balança mas não cai.

Não tive tempo de ir ao subsolo checar se o prédio onde me hospedo agora tem molas na estrutura, mas é fato que a legislação chilena foi aperfeiçoada depois do grande terremoto de 1985. Nos últimos dez anos todos os prédios erguidos no Chile obedecem a normas internacionais para torná-los menos vulneráveis a tremores.

O que não é uma garantia absoluta. Estive nos escombros de uma das autopistas mais modernas de Santiago, que liga o centro da cidade ao aeroporto internacional e que veio abaixo feito um castelo de cartas. Um chileno protestou: “Pagamos pedágios caríssimos para andar nessa via urbana e veja só”. Só diz isso porque não sabe as “coisas” pelas quais nós, brasileiros, pagamos pedágio.

Mas esse episodio trágico é a exceção que confirma a regra: Santiago resistiu surpreendentemente bem.

Talvez seja resultado das comparações inevitáveis com o que vimos no Haiti, embora essa historia de “comparar” terremotos tenha se transformado em uma espécie de gincana bizarra.

No caso de Porto Príncipe, o epicentro foi a pouco mais de 10 km; em Santiago, a mais de 300.

Ainda assim, é inegável que os danos nas duas cidades foram diretamente proporcionais à qualidade das construções e à estrutura dos governos locais. Quanto mais fraco o estado, maiores as conseqüências dos fenômenos naturais como enchentes e terremotos e menor a capacidade de lidar com elas.

Mas, se avançarmos no caminho das comparações, os haitianos não se saem de todo mal. Eu me lembro bem quando colegas, numa manifestação talvez inconsciente de racismo, previam que o mundo viria abaixo em Porto Príncipe, por conta de gangues que provocariam saques violentos. Foram dias até que um episódio do gênero de fato acontecesse em Porto Príncipe.

Pois aqui, em Concepción, a maior cidade da região realmente destruída pelo terremoto de sábado, nem bem 24 horas se passaram e uma multidão atacou os armazéns de um supermercado.

Matéria publicada por Leda Ribeiro (Colaboradora do Blog)


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