Em seu cotidiano, o jornalismo político é forçado a lidar com problemas complicados, dos quais não consegue escapar. Enfrenta, no entanto, dificuldades desnecessárias, que poderia perfeitamente evitar. Nada o obriga, por exemplo, a apresentar a seus consumidores algo que eles, a bem dizer, não esperam.
Salvo as exceções de praxe, leitores, espectadores e ouvintes não pedem conceitos acabados e opiniões definitivas sobre o que acontece no mundo político, seus personagens e instituições. Mas muitos jornalistas, especialmente comentaristas e colunistas, acham que devem tê-las todo dia.
Pode-se ver isso no tratamento que Dilma e seu governo recebem. Mesmo os veículos e os profissionais que levam a sério seu trabalho costumam padecer desse mal, da “conclusão apressada”. O que dizer daqueles que sequer têm compromisso com a realidade.
No início do ano, a necessidade era menor. O governo estava começando e havia uma abundância de notícias a dar sobre a composição do ministério e as medidas que tomava. Predominava um tom informativo.
Nem bem haviam transcorrido os primeiros meses, no entanto, e, em algumas redações, se generalizou a sensação de que já era hora das “interpretações”. Dos 100 dias em diante, a mídia se sentiu no dever de ter um conceito pronto a respeito de Dilma.
Muitos foram propostos. De “grata surpresa” a “decepção”, de “gerente competente” a “teleguiada de Lula”, de “rápida na decisão” a “titubeante”, de “crescentemente autônoma” a “progressivamente mais dependente”. E por aí vai.
Hoje, todos querem proferir sua sentença sobre “o que é o governo”. A cada dia, é publicado um novo julgamento, uma nova definição. É como na música moderna: basta piscar os olhos que aparece o maior grupo de todos os tempos da última semana.
As pessoas não precisam desses pronunciamentos. Conforme mostram as pesquisas, os consumidores do jornalismo político não são desinformados e incapazes de elaborar suas próprias avaliações. Ao contrário. Quem procura nas velhas ou nas novas mídias o comentário e a análise não deseja que alguém lhe dê a conclusão. Quer concluir sozinho.
Quando um governo “mal começou”, mais ainda. Embora, para os profissionais da imprensa, o governo Dilma possa já estar durando uma infinidade de tempo, está nos primórdios para a opinião pública. O que uns acham que é tempo mais que suficiente para julgar, outros consideram que é prazo demasiadamente pequeno.
Essa não é uma característica inusitada do atual governo, fruto de alguma idiossincrasia proveniente de sua história e natureza. Todos costumam ser percebidos dessa maneira quando sequer chegaram ao fim do primeiro ano.
Já vimos fenômenos semelhantes em governadores e prefeitos que não tinham, antes de chegar ao cargo, maior notoriedade. Sem trajetória e biografia conhecidas, sua imagem não estava formada. Tipicamente, são os que se elegeram em função do endosso de alguém querido e respeitado.
A novidade, com Dilma, é que isso está acontecendo, agora, com uma presidente da República. O que não muda o fundamental: para a opinião pública, não está na hora de julgá-la (seja positivamente, para onde parece convergir a vasta maioria da sociedade, ou negativamente).
Será preciso tempo para que as feições definitivas do governo Dilma fiquem claras. Por enquanto, apenas alguns traços estão nítidos, mas não formam, ainda, um retrato consolidado.
Isso não incomoda o país, que sabe esperar, entre outras razões porque sabia que assim seria com ela. Com seu proverbial bom senso, o povo não se sente premido a chegar a qualquer conclusão antes da hora.
Quem não se aguenta e fica pulando de conceito em conceito são os que mais serenidade deveriam ter. O problema é que, de tanto se precipitar, acabam queimando a língua.
Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
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