sábado, 24 de setembro de 2011

‘Não contém fermento populacional’

Ministra vai à rádio explicar mudanças no Bolsa Família
e acalmar os neomalthusianos que temem
'multiplicação de pobres'.
Foto: lza Fiuza/Agência Brasil
Porque às vezes é preciso desenhar para deixar claro: leite com manga não dá dor de barriga; entortar o olho no vento não provoca vesguice; fazer a barba depois do almoço não resulta em congestão; apontar o dedo pra lua não estoura verruga; casca de pão não encrespa o cabelo e semente não cria pé de melancia na barriga.
A ciência desmente alguns mitos, mas a estupidez (essa imune à razão), não. Ao conceder entrevista nesta quinta-feira 22, a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, teve que explicar novamente que dois mais dois não são oito. Em outras palavras, que a ampliação de três para cinco crianças beneficiárias do Programa Bolsa Família não é estímulo para que os casais tenham mais filhos a partir de agora. “Não conheço nenhum especialista ou conhecedor do assunto que acredite que a ampliação de um benefício de 32 reais vá levar à ampliação da taxa de natalidade. Pelo contrário, há oito anos, o Bolsa Família tem repassado recursos com a parcela variável, atingindo crianças, e o que tivemos foi a redução da taxa de natalidade, inclusive na população pobre e extremamente pobre”, destacou. O benefício, vale lembrar, deve atingir 1,2 milhão novas crianças.
Segundo a ministra, “todo mundo que já teve filho sabe o quanto custa uma criança” e é “difícil alguém achar que 32 reais por mês possam estimular uma pessoa a ter filho”.
O deputado Salim Curiati (PP),
para quem Bolsa Família incentiva
população pobres a colocar
bandido no mundo
Nem todos. Em 23 de agosto último, o deputado estadual Antonio Salim Curiati (PP), malufista das antigas, entrou na lista dos indicados ao prêmio Relincha Brasil 2011 por sua análise sobre a relação entre política social e onda de assaltos, do qual se tornara vítima naquele dia: “A Dilma vem falar do Bolsa Família. Aí você agracia a comunidade carente, e eles começam a ter filhos à vontade. É preciso controlar a paternidade”.
Sergio Cabral, o governador fluminense que chamou a favela da Rocinha de “fábrica de produzir marginais”, não faria melhor.
Curiati, médico de 83 anos, talvez não tenha tido tempo na vida para conviver com muitas famílias “carentes” – aqueles seres que provavelmente só conhecera por ouvir falar e que povoavam as entradas de serviço de seu consultório, mansão ou gabinete na Assembleia Legislativa. Sociologia de botequim tem dessas lógicas.
Acampamento onde vivem beneficiários
do Bolsa Família no entorno de Brasília:
para Curiati e seguidores, uma fábrica
de produção de bebês.
Foto: Elza Fiúza/Agência Brasil
Mas, como demonstrou a ministra Campello, é sempre bom explicar (ou desenhar): crianças e adolescentes não devem trabalhar, devem estar na escola, e a melhor forma de o Estado garantir o acesso à escola é garantir recursos para direitos básicos, como a alimentação. Faltou dizer que não, não há essência da fertilidade num cartão de plástico de 32 reais nem fermento para a explosão populacional.
Parece convincente, e é possível pensar que uma professora da quinta série não fosse mais didática. Por via das dúvidas, é melhor aparecer de quando em quando na rádio para explicar aos doutos neomalthusianos o que é mito e o que é má fé. A outra solução (mais trabalhosa, e talvez mais eficiente) é tirar as mangas, o leite, o espelho, o barbeador e as famílias menos abastadas de perto do deputado Curiati e seguidores. Nunca se sabe o que a ignorância, quando afrontada ou intimidada, é capaz de produzir.
Matheus Pichonelli
Formado em jornalismo e ciências sociais, é subeditor do site de CartaCapital e colaborador da revista desde maio de 2011. Escreve sobre política nacional, cinema e sociedade. Foi repórter do jornal Folha de S.Paulo e do portal iG. Em 2005, publicou o livro de contos 'Diáspora'.

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