Eles já chegam desmotivados ao mercado de trabalho, quando não desistem do exercício da profissão de jornalista antes de se formar. São moços e moças que se decepcionaram com a extinção da obrigatoriedade do diploma de jornalista para exercer a profissão, mas que, mesmo antes disso, já não tinham maiores perspectivas de trabalho, tal o nível de concentração de propriedade de órgãos de imprensa (escrita ou eletrônica) que há no Brasil.
O país, portanto, oferece escassas oportunidades de trabalho a jornalistas, o que faz com que os recém-formados, em boa parte, tornem-se “assessores de imprensa” ou, empregados, vendam a alma às poucas empresas jornalísticas que podem pagar salários dignos. Dessa maneira, a primeira coisa que esses jovens sacrificam é a ética profissional, na ânsia de se mostrarem “úteis” a chefes de Redação que põem na rua ou na geladeira quem não reze pela cartilha do patrão.
Valendo-se dessa disposição de muitos jornalistas novatos para venderem tudo ao empregador – inclusive a consciência –, esses impérios de comunicação estimulam os que chegam agora ao mercado de trabalho a praticarem atos desmedidos como o do jornalista da revista Veja Gustavo Ribeiro, que acaba de ser denunciado à Polícia Civil do Distrito Federal e à Polícia Federal por supostamente ter tentado invadir o apartamento do ex-ministro José Dirceu num hotel e por ter implantado, ilegalmente, escutas e câmeras no estabelecimento.
Ribeiro é a prova viva de que jovens jornalistas estão sendo estimulados pelos patrões a cruzar as fronteiras da lei para se credenciarem a subir na carreira. O rapazola se formou jornalista pela Universidade Católica de Brasília em 2009. De lá para cá, trabalhou três meses no jornal Correio Brasiliense e, atualmente, está trabalhando na Veja, onde tem um ano e nove meses de casa. Ou seja: é jornalista há míseros dois anos.
Em tão pouco tempo, o currículo desse garoto já contabiliza, além de sua última travessura, um processo por violação de ética profissional que corre no Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF) devido a matéria intitulada “Madraçal no Planalto”, que versa sobre a Universidade de Brasília e seu reitor e que foi publicada pela revista Veja em 6 de julho deste ano.
Segundo Venício Lima, ex-professor-titular de Ciência Política e Comunicação da UnB, “Tanto do ponto de vista técnico como ético, a referida matéria é um exemplo acabado de mau jornalismo. Editorializada e adjetivada, a matéria não cumpre as regras elementares básicas do jornalismo e foi desmentida por “fontes” cujos nomes nela aparecem, além de ter recebido repúdio quase unânime da própria comunidade acadêmica da UnB”.
Ribeiro se formou há dois anos e já tem um currículo desses. Deve subir na carreira com essa disposição para violar a lei em nome daquilo que lhe disseram ser “jornalismo”. Talvez nem saiba direito o que fez, ou então pode ser que acredite que o patrão lhe dará cobertura. Mas será que a Veja não dirá que o rapaz agiu por conta própria, se o caldo engrossar? A chance de virar um bode expiatório não é pequena.
O inquérito contra o rapaz já corre na Polícia Civil de Brasília e na Polícia Federal, que já têm as imagens do circuito interno de tevê do hotel Naoum de Brasília que mostram sua conversa com a camareira do andar em que José Dirceu se hospedou. Ela deve testemunhar contra ele juntamente com os funcionários da recepção e o gerente do estabelecimento. Há, portanto, provas testemunhais e materiais de que houve tentativa de invasão e de instalação de ao menos uma câmera clandestina. E, segundo Dirceu, a Polícia se mostra disposta a ir até o fim.
O caso de Gustavo Ribeiro precisa se tornar emblemático para essa geração de jovens jornalistas formados ou por se formar, para que aprendam a distinguir investigação jornalística de crimes como os que parecem ter sido cometidos pelo repórter da revista Veja. E para que não confiem na impunidade.
Todavia, devido à situação do mercado de trabalho para jornalistas novatos e à morosidade da Justiça, pode-se ter certeza de que vem aí uma geração desses profissionais ainda pior do que a que atual. Talvez ainda venhamos a sentir saudade de gente como Reinaldo Azevedo, Augusto Nunes ou Diogo Mainardi, pois a nova geração de jornalistas abriga legiões de jovens dispostos a fazer igual ou pior do que o enfant terrible da Veja.
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O único integrante do governo Fernando Henrique Cardoso que a mídia incomodou após deixar aquele governo foi o ex-secretário-geral da Presidência da República Eduardo Jorge Caldas Pereira. Contudo, após ser inocentado pela Justiça das acusações que sofreu, EJ (como era chamado à época das denúncias) foi brindado com um compungido pedido público de “desculpas” do colunista da Folha de São Paulo Clóvis Rossi, que lhe fizera algumas críticas anteriormente. Será que veremos acontecer a mesma coisa, caso José Dirceu também seja inocentado pelo Supremo Tribunal Federal?
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